Com estreia efetiva de multas e sanções em agosto, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) constitui um importante marco na busca por consentimento e mais transparência na forma como as empresas brasileiras coletam e gerenciam os dados pessoais de seus usuários. A regulamentação traz com força para o mercado nacional uma discussão global muito intensa sobre privacidade, que também deu origem a regulamentações similares na Europa e nos EUA, o GDPR (General Data Protection Regulation) e o CCPA (California Consumer Privacy Act). 

Essa busca por privacidade, embora positiva, também traz inúmeros desafios para a publicidade, colocando em xeque a forma como são personalizadas as abordagens de comunicação e marketing. Afinal, como garantir personalização à medida que o acesso a dados pessoais dos usuários fica mais restrito? 

Entendendo essa necessidade de evolução, as Big Techs têm se mobilizado nos últimos tempos em busca de novas abordagens e tecnologias que permitam equilibrar a expectativa de anunciantes e usuários por comunicações hiper personalizadas com a demanda crescente por privacidade. Um exemplo dessa evolução é a decisão do Google sobre o banimento dos cookies de terceiros em seu navegador Chrome.

 Não por acaso, um estudo recente sobre o Futuro da Publicidade Online, realizado pela RTB House com a consultoria WGSN, destaca a frustração dupla de falta de privacidade e de impessoalidade no ambiente digital: no mundo, 82% dos compradores acham que é importante oferecer uma experiência online personalizada, enquanto 52% deles acreditam que as empresas geralmente são impessoais. Ou seja, o problema principal ainda é o relacionamento digital.

Vale lembrar que, cada vez mais, não basta apenas oferecer uma comunicação personalizada. É necessário fazê-lo dentro dos critérios de segurança, experiência e valores esperados pelos consumidores e no timing correto para garantir relevância. E o caminho para continuarmos oferecendo experiências ultra personalizadas em um momento em que dados pessoais e demográficos tornam-se cada vez mais restritos passa, necessariamente, pela inteligência artificial.

Entendendo os algoritmos:

À medida que a tecnologia e o ecossistema programático evoluem, maior é a precisão das recomendações e segmentações feitas pelos algoritmos. Hoje em dia, é perfeitamente possível rodar campanhas ultra personalizadas sem a necessidade de dados demográficos como idade e gênero, por exemplo, porque os algoritmos conseguem tomar suas decisões com base em big data, analisando dados não estruturados disponíveis no momento da definição do bid e que se relacionem com o objetivo da campanha. 

Em campanhas de branding e awareness, por exemplo, algoritmos mais avançados já conseguem estabelecer, em milésimos de segundo, recomendações precisas baseadas apenas no contexto de navegação de cada usuário. A partir daí, é possível definir a melhor forma de abordá-los individualmente, personalizando mensagem e formato de cada anúncio de forma também automatizada. 

Já em abordagens de base de funil, como o retargeting, o algoritmo pode utilizar dados anonimizados diretamente relacionados ao comportamento de cada consumidor dentro do site. Vale lembrar que ao algoritmo não interessa o nome, idade ou gênero do usuário, apenas o seu potencial de engajamento com a marca e com o perfil de anúncio que seria, ou não, direcionado a ele.

O papel da inteligência artificial:

À medida que entendemos que os algoritmos já não necessitam de dados pessoais ou demográficos para personalizar as campanhas de forma efetiva, nos deparamos com o desafio de também garantir maior privacidade e segurança ao processo de coleta, gestão e análise dos dados referentes, sobretudo, ao comportamento de navegação dos usuários nos sites – o que buscam, como interagem com os produtos, etc.

Atualmente os cookies de terceiros são um método importante dentro desse processo, pois permitem a identificação dos usuários enquanto navegam nos sites dos editores (onde o anúncio será exibido), possibilitando que os fornecedores de publicidade façam a conexão de cada usuário com seus dados de navegação provenientes da página dos anunciantes. Essa ponte é crucial para a personalização eficaz de anúncios com base nos interesses históricos precisos dos consumidores.

No mundo sem cookies, outros métodos assumem o papel de conectar essas mesmas fontes de dados primários, de anunciantes e editores, ainda de maneira eficiente, mas garantindo mais privacidade aos usuários. Podemos citar, por exemplo, métodos de segmentação individual que usam tecnologias de identificação como o RampID ou o ID5 do LiveRamp; ou a própria segmentação baseada em grupos, como propõe o FLEDGE do Google Chrome; e ainda a segmentação contextual remodelada, que não precisa de informações do usuário, apenas dados de contexto.

Nesse sentido, o desafio atual do nosso mercado é entender como cada um dos métodos disponíveis irá se comportar neste novo cenário, e definir, a partir daí,  qual deve ser o equilíbrio perfeito entre eles, considerando as particularidades de cada um. Mas independentemente dos métodos escolhidos, a grande certeza que temos é que o Big Data ganhará ainda mais força nesta nova realidade, e algoritmos de recomendação mais poderosos serão cruciais para esta transição.

Ao longo dos últimos sete anos à frente de campanhas de mídia online no Brasil e na América Latina, vejo que o Deep Learning, campo mais avançado da inteligência artificial e que simula os padrões neurais humanos na tomada de decisão autônoma, é uma tecnologia bastante preparada para ganho de escala e precisão neste novo ecossistema publicitário. Diferente do Machine Learning convencional, ele elimina etapas manuais de classificação, de modo que a máquina consegue literalmente “aprender sozinha”, um recurso bem valioso dentro desse novo escopo de dados anonimizados. 

Sendo assim, cabe ao profissional de marketing estudar sua estrutura de dados atual e entender como ela se relaciona com este novo paradigma privacy-friendly. Compreender o funcionamento da IA em cada ferramenta de marketing disponível também será crucial para encontrar as estratégias mais efetivas de personalização para cada negócio dentro deste novo cenário. Então mãos à obra!

André Dylewski é Business Development Director Latam na RTB House