Algoritmos e redes sociais

Se você é um usuário ativo nas rede sociais, experimente ficar alguns dias ou semanas sem acessar o seu perfil. A sensação inicial é de que você está “por fora” e de falta de pertencimento a uma comunidade. É estranho não saber o que está acontecendo com seus amigos e parentes e ficar alheio às trends do momento. O chamado detox digital, que muita gente tenta fazer, pode ser benéfico para mostrar que é possível viver sem as redes sociais, mas o ideal mesmo é ter equilíbrio e controle sobre o uso.

É praticamente inimaginável hoje em dia profissionais da comunicação não terem perfis em redes sociais. Por mais low profile que sejam, criativos e executivos em geral precisam se conectar e serem “vistos” pelas pessoas. Tudo bem que antes do Orkut surgir, em janeiro de 2004 (isso mesmo, faz 20 anos!), o relacionamento acontecia no ambiente offline e funcionava. Mas era um outro mundo.

A popularização da internet não foi importante apenas para o desenvolvimento do ambiente profissional. A expressão pode até ter virado chavão, mas foi com ela que o consumidor ganhou voz e a relação entre marcas e clientes passou a ser uma via de mão dupla. Ela também aproximou pessoas e encurtou distâncias.

Porém, como tudo na vida, o problema é o exagero. Exagero nas horas excessivas que parte dos usuários dedica às redes sociais, que também se tornaram
um terreno fértil para polêmicas, fake news e conteúdos sensacionalistas, levando insegurança aos mais vulneráveis, como crianças e adolescentes, por
exemplo.

Uma das mentiras levou ao suicídio de Jéssica Vitória Canedo, de 22 anos, na cidade de Araguari (MG), em 22 de dezembro de 2023. Conversas inverídicas da jovem sobre um suposto relacionamento com o humorista Whindersson Nunes foram publicadas por perfis de fofocas. Mesmo desmentida por ambos os lados, a fake news foi mantida no ar, provocando uma avalanche de mensagens ofensivas direcionadas a Jéssica, que já lutava contra um quadro de depressão.

O triste caso atingiu em cheio o mercado de marketing de influência e virou investigação policial. Os perfis ‘Garoto do Blog’ e ‘Choquei’ são alguns dos investigados pela Polícia Civil de Minas Gerais, que cogita a possibilidade de enquadrar os envolvidos no crime de indução ao suicídio. Ambas as páginas integraram um projeto da Mynd (maior empresa de marketing de influência do Brasil) chamado Banca Digital, que reúne cerca de 30 perfis de fofoca no Instagram. O perfil ‘Choquei’ já não faz mais parte do casting da Mynd. Já o ‘Garoto do Blog’ “está afastado das atividades comerciais até a conclusão do caso”, segundo a empresa.

Parlamentares também protocolaram requerimento para instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e denúncia no Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Procuradoria-Geral da República (PGR) a fim de apurar o trabalho desenvolvido para os influenciadores representados pela Mynd, que afirma não  participar da definição do conteúdo editorial de nenhum perfil.

Matéria nesta edição traz a visão de especialistas sobre como os algoritmos operam em favor de polêmicas que geram audiência e ajudam a sustentar o modelo de negócio das plataformas. “As redes sociais são projetadas para maximizar a interação e o tempo de permanência na plataforma, e podem levar ao estímulo de comportamentos associados a conteúdos polêmicos e sensacionalistas”, analisa André Miceli, professor de MBAs da FGV.

Um grupo de mais de 30 estados norte-americanos processou a Meta por considerar que as suas plataformas, Instagram e Facebook, utilizam recursos para atrair e viciar jovens e crianças. Em resposta, a big tech anunciou na última semana o aumento nas restrições de conteúdos considerados inadequados a adolescentes nas suas redes sociais. Uma das medidas é uma configuração de controle mais rígida em relação a conteúdos nocivos a menores de 18 anos. Além disso, a configuração inclui novos filtros em buscas sobre suicídio e transtornos alimentares. A ver.

Frase: “Nas guerras, quem morre primeiro é a verdade” (autor desconhecido).

Armando Ferrentini é publisher do propmark