A civilização humana nos tornou seres sociais, urbanos e gregários. Com a sua evolução, cada vez mais a produtividade se fez necessária e, nós, cobrados por isso. De repente, nos vimos em meio a uma nova realidade mundial: um inimigo invisível. E a única possibilidade de nos protegermos se tornou o refúgio através do isolamento social, somado ao um excesso de limpeza e higiene. Então, nos isolamos e lavamos e limpamos. E nessa limpeza, tudo o que já não funcionava mais também foi exposto.

Porém, aquilo que apavora sem perguntar, pedir licença ou dar prazo também transforma. Relações ultrapassadas não se sustentam mais e, no caso das empresas, aquelas construídas e mantidas com base em sistemas verticais também foram colocadas à prova. A verdade, a empatia e o acolhimento tornaram-se ainda mais necessários. Nesse mesmo fluxo, a busca por informação, antes nas redes sociais, passou a ser por meio de fontes mais seguras. As pessoas buscam a verdade, querem se proteger do inimigo invisível, mas aumentam também sua consciência para outros campos de suas vidas. Nesse contexto, marcas com propósito claro também tendem a se tornar mais relevantes.

Tudo está conectado. O que buscamos em nosso âmbito privado também é o que esperamos das relações profissionais e da sociedade em que vivemos. É duro o que estamos vivendo, ainda mais quando há perda de relações próximas, mas nada na nossa recente história provocou mudanças de comportamento tão radicais, repentinas e reflexões tão profundas.

Não falo apenas da experiência do home office, grata e necessária surpresa na operação, que manteve várias empresas funcionando, ou do já conhecido delivery, que explodiu, no bom sentido, durante a pandemia. Falo no sentido de que se engana quem pensa que o medo pode congelar ações comprometidas com as causas sociais. Pelo contrário. Recentemente, vimos manifestações nos Estados Unidos contra a tolerância da segregação racial. E sim, temos que ser intolerantes com isso. As pessoas, principalmente os jovens, não suportam mais o silêncio, e, por não suportá-lo, tomaram as ruas. Tudo isso em meio a uma pandemia de dimensões catastróficas, ainda que de máscaras, colocando suas vidas em risco. E mesmo com o risco pessoal, não se calaram.

A transformação não está no ato de ir às ruas, mas de ir, talvez, com uma nova consciência, já que hoje tudo está sendo mais exposto. O mesmo vale para as empresas. Se destacarão e colherão melhores frutos aquelas com relações verdadeiras e menos hierarquizadas. Não há mais o controle do ponto, é preciso confiar no comprometimento e reponsabilidade da equipe. Relações baseadas em controles externos e sustentadas em posições hierárquicas verticalizadas, inacessíveis, com pouca interação humana, estão sofrendo impactos muito mais profundos. Nunca vivemos uma situação profissional tão desafiadora quanto agora e, por isso, é preciso diariamente ter foco, clareza nos propósitos, simplicidade nas relações, conversas diretas, mesmo que virtuais, senso de equipe, colaboração. Então, aquelas palavras que temos lido tanto em livros e ouvido em palestras nos últimos anos se tornaram condição sinequanon para a sobrevivência de equipes e empresas: empatia, resiliência, capacidade adaptativa, criatividade, flexibilidade, colaboração.

Do lado das marcas, o grande ativo das empresas, a relação com as pessoas (sim, eu sei, clientes) precisa ter um olhar ainda mais cuidadoso. A indiferença não é mais aceita, o olhar tem que ser preciso, mostrar importância, entregar relevância. O tempo de cada um é dividido entre os velhos meios de comunicação e os novos, as redes sociais, a família, o lazer, os afazeres domésticos e cuidados com os filhos. Não há mais espaço para o desperdício da comunicação. Aumentou ainda mais o desafio das marcas na busca de precisão em suas mensagens para captar atenção de seu público-alvo, tanto na forma como se comunicam quanto na entrega.

Não errar é um esforço enorme das empresas, em conjunto com os profissionais de comunicação. Nesse contexto, o papel do mídia assume ainda mais relevância, pois tem a responsabilidade de otimizar entregas e minimizar eventuais dispersões das mensagens. O consumidor não é mais um dado demográfico. É uma pessoa com interesses específicos, que consome o que é relevante para si. Soma-se a isso o momento dessa conexão, a necessidade não só de entregar um conteúdo relevante, mas também de não ser invasivo. Um produto ou serviço, ainda que tenha total adequação com público impactado, precisa ser entregue no momento certo.

Estamos ainda mais conectados, pessoas e empresas, pessoal e profissional. É muito mais sobre fazer. São propósitos com efeitos concretos e reflexões acompanhadas de ação. Quem progrediu de fato, e não só no discurso, está superando a crise de forma muito mais rápida. Reparem, estamos falando de empresas, mas também de pessoas. Quem não entender e agir honestamente está fadado a sofrer os maiores impactos, sob pena de levar muito mais tempo para se recompor.

Como não teremos mais o antigo normal, a tendência é que esse tipo de sociedade, que se mostrou muito mais vulnerável às questões sensíveis, não seja mais eficiente daqui para frente. Assim, como hoje constatamos que tanto ficar em silêncio como cumprir tabela na vida pessoal e profissional não são as melhores opções, pessoas, líderes e marcas que se conectam de maneira real, franca e com propósitos humanos são os que tendem a permanecer. O estabelecido apenas no discurso caiu por terra, somente o que é legítimo, consciente e internalizado terá como superar com menos danos esse momento. Arranhões todos teremos, porém as cicatrizes podem e precisam ser menos profundas.

Marilena Cadena é diretora de mídia da Propeg