As tentativas de golpes, exigindo pagamentos em bitcoins multiplicam-se. Todas as vezes que existe vazamento e roubo de milhares ou milhões de informações dos grandes bancos de dados – como, por exemplo, tem acontecido com frequência alarmante com o “Feice” – e se seus dados foram juntos, na semana seguinte você será extorquido pelos bandidos. Vão exigir, para não acessarem suas contas e roubarem seu dinheiro, um pagamento em bitcoins, numa determinada conta. E para demonstrar que têm seus dados, enviarão alguns deles para apavorá-lo e intimidá-lo. Infelizmente, algumas pessoas entram no golpe e passam a ser extorquidas de forma recorrente.

Já fui vítima dessa tentativa de extorsão algumas vezes. Mas, dentre os golpes envolvendo bitcoins, o maior de todos, no tocante à complexidade e ao mistério, é o que passo a comentar. Se o mundo é líquido, e é, hoje temos um grande tesouro repousando nas profundezas das águas do digital. Gerald Cotten deu entrada no hospital indiano Fortis Escorts no dia 8 de dezembro de 2018, por volta das 14 horas. Morreu de parada cardíaca no dia seguinte. Sua morte está devidamente comprovada e atestada por um certificado emitido pela Funerária J.A.Snow, e por um atestado de óbito do governo do Rajastão, o maior estado da Índia em área territorial, cuja capital é Jaipur e onde se fala o hindi e o rajastani. Gerald sofria da doença de Chron. Em seu comunicado oficial, o Hospital onde Gerald se internou é definitivo:

“No dia 9 de dezembro de 2018 o paciente sofreu uma parada cardíaca, mas foi revivido com massagem diretamente no coração. No entanto, a situação cardíaca do paciente foi se deteriorando até ter uma segunda parada, às 16 horas. Apesar dos esforços de nossa equipe médica, o paciente não foi revivido e declarado morto por volta das 17h26…”. Gerald Cotten, canadense, fundou uma das primeiras corretoras de Bitcoins, a Quadriga CX. Por questões de segurança, natureza e personalidade, só ele conhecia a senha de seu cofre virtual onde se encontrava depositado o equivalente a R$ 700 milhões, em bitcoins, de seus clientes/empresa. Seu maior medo era ser roubado.

E assim recorreu à ferramenta do Cold Storage (uma espécie de depósito câmara fria) que preserva os bitcoins desconectados, dormentes, mediante uma sucessão de pen drives, ou salvos num notebook criptografado. A Quadriga CX tinha 115 mil clientes. Por determinação da Justiça foi contratado aquele que supostamente é o maior dos craques em descriptografia. Não conseguiu. Os credores e os tribunais decidiram recorrer à viúva, Jenniffer Robertson. Jeniffer movimentou a cabeça negativamente alegando desconhecer a senha. Fim. No dia do suposto funeral de Cotten, no Canadá, investidores ensandecidos ligaram várias vezes para a funerária. Para uns, confirmou-se que um tal de Gerald Cotten estava sendo velado. Outros disseram não ter nenhum Gerald, muito menos Cotten, sendo velado…

Dias depois e em nota a Bloomberg informava seus assinantes que Cotten fez e registrou seu testamento apenas 12 dias antes de sua morte. O parceiro de Cotten nos negócios, Freddie Heartline, declarou ao Chronicle Herald, do Canadá: “Ele sempre prevê problemas… tornou-se CEO de um negócio milionário e não seria idiota o suficiente para acreditar poder safar-se com quase 200 milhões de dólares…”. E aí alguém perguntou: “E a senha”… E Freddie respondeu e aconselhou: “não se pode confiar em qualquer um para deixar suas senhas… Nem mesmo a mulher…”. Para sempre, ou, por enquanto, a primeira grande história de mistério ou de naufrágio irrecuperável da era das criptomoedas. Gerald Cotten morreu, de verdade? O corpo é seu? Jennifer não sabia ou apenas está dando um tempo para reencontrar-se com seu amado numa ilha perdida nos confins do mundo… Um navio carregado de criptomoedas permanece no fundo do Admirável Mundo Novo, Plano, Líquido e Colaborativo, vagando pela Digisfera…

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)