Eu estou na cidade, estou nas favelas, eu estou por aí, sempre pensando nela. Na eleição de novembro. É meu trabalho, vivo disso. Faço textos, fotos, edito, vendo gente, vendo ideias e ideais. Minha matéria-prima é o candidato. O comprador, o povo. O produto, esperança. Há nuances, eu sei, depois de 40 anos de calçada alguma coisa devo ter aprendido. Mas ninguém é inteiramente racional na cabine de votação. Cada voto representa um sonho, uma crença. Como diria Cid Pacheco, um dos grandes filósofos da propaganda eleitoral, todo voto é uma declaração de amor travestida de racionalidade. Retirem-se deste cálculo, os votos de cabresto, os votos sob ameaça. Independem da vontade do eleitor. Para esses, o que vale é o tamanho e o alcance do trabuco. Retirem-se desse cálculo também os votos da descrença nos candidatos a cargos legislativos. Na maioria das vezes são de eleitores que vão às urnas somente para cumprir tabela, que podem votar num desconhecido.

Antigamente era possível demonstrar indignação votando em personagens de novelas, animais do zoológico ou figuras folclóricas. Cada voto no rinoceronte Cacareco, no Macaco Tião, era uma demonstração de desprezo. Hoje não é possível votar nestes estrupícios. Mas existem figuras humanas que simbolizam o foda-se. Nesses casos, não há o que se faça, a não ser mostrar o tempo todo que só pode haver esperança de futuro se cada eleitor tiver consciência do que está fazendo. Quanto ao conteúdo das mensagens nos horários gratuitos, Maurício Menezes e eu, durante alguns anos, juntamos bizarrices de candidatos. Mas de uns tempos para cá, por alguma razão, os toscos são maioria e o ridículo parece ser o normal. Ninguém mais de espanta com as patacoadas dos Zé das Couves, das Maria da Quitanda e dos Mamãe Falei. Nem mesmo um Rafinha do Pau Torto ou Mané da Zona horrorizam as pessoas. Até porque, quando eleitos, suas porralouquices serão muito piores do que o exotismo dos nomes. Ler jornal, ouvir rádio ou assistir noticiário da TV é ficar sabendo das aventuras de nossos parlamentares, diante das quais o nome se transforma em mera traquinice infantil. A campanha eleitoral é também campo fértil para uma multidão de vendedores de tecnologia. Dezenas de métodos infalíveis são oferecidos aos candidatos. Desses métodos, a grande maioria é anunciada como responsável pela vitória do Donald Trump. Além do lado monetário, fazer campanha eleitoral é também um tremendo barato. O ambiente onde se criam e produzem materiais de campanha é excitante. E exige nervos de aço. A fofoca, o disse-me-disse, as alianças e desalianças lembram um pouco o Big Brother. Quem não está preparado para conviver com o pior lado do ser humano, não deve aceitar o convite para trabalhar numa campanha eleitoral. Mas, para os do ramo, há uma certa excitação na montagem de uma candidatura, na elaboração do discurso e no acompanhamento dos movimentos dos eleitores.

Mas, cuidado! Nenhum profissional de marketing tem poderes suficientes para criar um candidato e obrigá-lo a se comportar como um produto, se amoldando aos desejos dos eleitores. Todo candidato, mais dia ou menos dia, se apresenta como ele verdadeiramente é. O mais que podemos é ressaltar as características de cada um, dando mais coerência à sua figura. Mas são apenas valorizações ou destaques às características preexistentes. Quem não é do ramo acredita que seja possível construir-se um político como se monta um boneco. Nada mais falso. Um político ao longo da campanha se desnuda o suficiente para destruir qualquer exagero de caracterização. Em resumo, fazer campanha política é um tremendo barato e um malabarismo na beira do abismo e sem redes. Há sempre o risco de acontecer um desastre. Como João Goulart, que, antes do início de um discurso, perguntou a um assessor: “o que eu digo para esse povinho de merda?” O assessor respondeu: “pede desculpas que o microfone está ligado!”

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)