Competição de narrativas

Estive em quatro eventos dedicados à discussão de temas relacionados aos princípios ESG nos últimos dez dias.

Em um deles, o Fórum ESG da ABRH, fui moderador em um dos painéis. Foram eventos de instituições sérias, com palestrantes e debatedores idem.

Mas é inescapável a percepção de que as nuances de cada um dos subtemas relacionados às questões socioambientais e de governança permitem narrativas diversas e até conflitantes.

Um dos eventos – ‘Estadão think’, realizado na Fiesp – tratou da transição energética e suas implicações para a indústria brasileira.

Não há dúvida de que o Brasil tem uma janela de oportunidade escancarada, por conta da sua matriz energética exemplar.

Quase 50% da energia consumida no Brasil vêm de fontes renováveis. No caso da eletricidade, o quadro é ainda mais impressionante: mais de 90% são oriundos de energia limpa.

Isso nos dá uma condição privilegiada para produzir bens, principalmente os de energia intensiva, de forma competitiva, não? E aí vêm as narrativas. Há quem diga que o governo admitiu tantos “jabutis” na regulamentação que nossa energia é mais cara que de outros países.

Mas é limpa e abundante, correto? Podemos então, num processo chamado de nearshoring (mudança de unidades industriais para locais mais favoráveis), atrair empresas de outros países para produzir aqui e garantir uma pegada de carbono adequada aos limites aceitáveis internacionalmente?

Como temos água e energia limpa em abundância, podemos produzir o hidrogênio verde, uma fonte energética que é considerada a solução ideal do futuro, por ser potente e limpa?

Um dos palestrantes chegou a afirmar que podemos ser a Arábia Saudita da energia limpa no futuro. Temos também a biomassa, que permite geração de energia não fóssil.

O problema é que os países desenvolvidos não estão de braços cruzados, esperando o Brasil se mobilizar.

Ao contrário, os EUA, por exemplo, criaram o IRA (Inflation Reduction Act). A Lei de Redução da Inflação é um pacote de investimentos aprovado pelo governo dos Estados Unidos principalmente para a descarbonização da sua economia.

Os temas são os seguintes: eletricidade limpa, transporte limpo, edifícios sustentáveis, manufatura verde e descarbonização industrial, agricultura e silvicultura inteligentes em relação ao clima e à conservação, justiça ambiental e climática, bons empregos, proteção ao trabalhador e ações climáticas estaduais.

Entre dotações orçamentárias e incentivos fiscais, o montante investido pelo governo americano chega a 1 trilhão de dólares.

Na União Europeia, o Horizon 2030 prevê subsídios e incentivos, além de um certo protecionismo, nas ações de empresas, em linha com a redução da pegada de carbono.

Já a China aposta na liderança produtiva de equipamentos cruciais para a descarbonização, como painéis solares, pás eólicas e baterias. Não à toa, sua indústria automobilística lidera vendas de carros elétricos. E lá vêm as narrativas. O que é melhor para o meio ambiente, carro elétrico ou híbrido a etanol?

Se a narrativa é do universo do agro brasileiro, não há dúvidas de que o híbrido flex a etanol é a melhor solução. Mas ele gera emissão de CO2 (do etanol) e o elétrico não. Ok, mas em todo o processo de produção das baterias tem uma pegada a ser considerada.

Por outro lado, a cana, usada para produzir o etanol, sequestra carbono ao longo do seu crescimento. Narrativas...

E nós, simples mortais, ficamos confusos com essa miríade de narrativas.

Penso que a melhor atitude é focarmos nas nossas atividades e garantir o menor consumo de água e de energia e gerar o mínimo de resíduo, optando pelo consumo consciente.

Do lado social, vamos manter uma atitude respeitosa e inclusiva, sem qualquer discriminação. E sejamos críticos com as narrativas de um lado ou de outro.

Alexis Thuller Pagliarini é sócio-fundador da ESG4
alexis@criativista.com.br