Destrutechs?
Em pouco menos de dois dias o Ministério da Justiça anotou mais de 700 perfis que incentivavam ou simpatizavam com os ataques a escola infantil em que um homem matou a machadinhas quatro crianças em Blumenau. O Ministério pediu que os perfis nas redes fossem retirados do ar, banidos. Primeiro para deter o movimento de manada que acontece com casos assim. E segundo para investigar e punir essa apologia à violência.
Recebeu como resposta o emoji da ilustração acima. M* Se um órgão publico separa 700 perfis, e deve ter sido de forma manual, o que um algoritmo bem treinado poderia fazer? Identificar? Emitir aviso? Avisar a polícia em alguns casos? Não faz é por um bom motivo. Qual seria? Veja, se você sai pela rua gritando em voz alta a favor do nazismo será preso. Se apoiar e praticar a pedofilia no seu bairro, será preso. Se um jornal publicar um anúncio ou discurso dessa pessoa, atingindo milhões, sofrerá penas severas.
Só que fazer isso e muito mais no meio digital, de maneira anônima ou pública, oferecendo a sua mensagem para milhares ou milhões de pessoas, talvez nada aconteça. A justiça offline, por assim dizer, não tem a rapidez que as plataformas têm. Isso não pode dar certo. Aliás, não está dando certo! O que é mais importante, os termos de uso do aplicativo? Mais que a lei, que a nossa segurança? A troco de que, liberdade ou lucro? Como uma quarta dimensão, o layer digital, existe, é real e mexe diariamente, fisicamente com nossas vidas. Mas continua sendo tratado como um território intocado. Onde tudo o que não é possível ter no mundo físico, fosse permitido lá, apenas por ser digital. Essa inimputabilidade do digital interessa a quem? A maior parte dessas empresas possue ações na bolsa e as pessoas que compram ações topam destruir tudo para ganhar alguma coisa? A pergunta é retórica, pois a resposta tem sido sim. Destrutechs são empresas que têm como plano de negócio destruir algum status quo existente para colocar-se no lugar. Tudo bem, quando isso afeta a nossa vida, positivamente. Substituindo algo ineficiente por outro melhor, mais rápido e barato. Mas o lance é fazer isso sem destruir a própria vida, modelo político, estabilidade de países, economia local.
Aí esse lucro só interessa para quem não entendeu o jogo que está sendo jogado.
O mundo caiu no conto da Primavera Árabe das Redes Sociais. E, depois disso, vale tudo. E daí me pergunto, e se o emoji que a empresa mandou para o governo brasileiro na verdade é realmente um plano de negócios sério da empresa? Quanto mais (emoji acima) acontecer nas nossas vidas, na política, na sociedade, mais eles se assentam como canal único e ganham lucro com isso.
O discurso é liberdade, pra variar, mas o objetivo é que o jornalismo investigativo e serio dê m*, que os jornais sérios digitais ou não, também. Enfim, talvez quanto mais m* dê no mundo real, mais lucro gere aos acionistas. Será? Essa semana, a agência Ogilvy de Londres colocou uma campanha no ar sobre beleza tóxica mostrando uma adolescente que deixa de ser uma pessoa amável e bondosa, para virar um ser humano autodestrutivo. A campanha deixa claro que isso começou no dia em que ela ganha um celular e acessa as redes. As mesmas redes que toleramos com seus algoritmos maliciosos e destrutivos, mas que nos diverte um pouco. Essa semana também a Mitsubishi, a marca mais off road do país, lança uma campanha dizendo para você ir para o mundo off e se conectar com o que realmente importa: natureza, família, exporte, vida. Precisamos entender o modelo de negócios dessas empresas e aplicar a elas, e rapidamente, as mesmas regras que as outras dimensões da vida possuem.
Flavio Waiteman é CCO-founder da Tech and Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br