Dove: quando uma marca conquista um mandato
Entre as muitas explicações e análises que se fazem hoje sobre o enfraquecimento de democracias em todo o mundo, o “não me representa” tem sido uma das principais queixas dos cidadãos com relação aos políticos que estão à frente de governos e casas legislativas.
O divórcio entre as reais necessidades da sociedade e esses políticos (e a grande dificuldade de comunicação entre estes e seus eleitores) criou uma perigosa situação, na qual o cidadão olha (se é que ainda olha) para os diversos entes e níveis de governo e não encontra nenhum sinal de comprometimento destes com as suas próprias necessidades e do seu grupo. O discurso político chega raramente a essas pessoas e, quando chega, não é compreendido, pois se baseia numa narrativa que tem referências de outro mundo que não o seu.
Como resultado, vemos, preocupados, a ascensão de políticos cuja única forma de conquistarem um mandato é justamente a não-representação. Ou seja, num mundo em que nada vale, o político se dispõe a ser a voz dos que não se sentem representados. E muitas vezes, prega a quebra desta linha de representatividade, assumindo posturas autoritárias e anti-democráticas.
Nesse mundo distópico, confuso, sem fundamentos ou valores, florescem também narrativas que aprofundam um discurso a-ético, sem responsabilidade e muitas vezes tóxico, acelerado pelo poder de influência das redes sociais, que mimetizam modelos de comportamento - aí incluídos modelos e padrões de beleza.
É neste cenário que a Dove vem trabalhando há mais de 20 anos, com uma proposta de “real beauty”. Uma proposta muito além do branding, marketing e comunicação. Dove conquistou um mandato de seus consumidores, permitindo que a marca não apenas fale por eles, mas os represente nas redes sociais, na mídia tradicional e até em instâncias de governos e casas legislativas.
Nas últimas duas décadas, desde o lançamento da hoje histórica campanha Real Beauty, Dove vem trabalhando em favor de todas as mulheres e homens do mundo, forjando um conceito de “beleza sem artifícios: a sua beleza, a única que existe e realmente importa”
Os resultados foram amplamente positivos desde a primeira campanha, que adicionou 700% em vendas do produto anunciado. A campanha disparou um movimento entre as mulheres (e destas com a marca) que dura até hoje, cada vez mais forte. Alessandro Manfredi, Global CMO da Dove, destacou que nestes 20 anos a marca provocou muito mais que vendas: gerou um impacto social traduzido num movimento de aceleração de negócios e um comprometimento da marca com suas consumidoras.
Ao longo dos 20 anos, Dove nutriu essa relação com consistência, trabalhando sempre com pessoas e histórias reais, denunciando e combatendo abertamente a toxicidade artificial que aprisionou a estética e padrões de beleza nas redes sociais, oferecendo às consumidoras uma opção de beleza a que elas têm acesso e pode ser alcançada a qualquer momento. Porque se trata de encontrar essa beleza nelas mesmas. A premiada campanha brasileira que ganhou Titanium em 2013 era exatamente sobre isso.
A medida em que essa relação se fortalecia com campanhas publicitárias e ações de RP que corporificam o mandato conquistado, a marca já não apenas falava com os consumidores, mas também pelos consumidores, exprimindo seus mais autênticos e reais sentimentos, como foi o caso da campanha que revelava os rostos feridos e alterados dos profissionais de saúde durante a pandemia.
Da mesma forma, a Dove soube aproveitar e usar em benefício desta relação, os avanços da tecnologia e inteligência artificial para demonstrar e fortalecer seus propósitos e a confiança que os consumidores lhe devotam. Dove usou esses recursos como uma forma de desconstruí-los, denunciando os padrões artificiais, usando exatamente essas mesmas ferramentas. É o caso das campanhas Reverse Selfie e Real Virtual Beauty.
Além das campanhas e ações sintonizadas com o propósito e o conceito da marca, Dove assumiu, em nome de seus consumidores, posições avançadas que, a princípio, nada têm a ver com tradicionais objetivos de marketing. Exceto que, para Dove, estas posições constroem e solidificam alianças com os consumidores, assumindo suas dores, como foi o caso da campanha em defesa dos penteados de cabelos ondulados (França) contra o corte de cabelos pelas meninas na Tailândia e o preconceito contra pessoas que usam determinado tipo de cabelos: afro (Inglaterra) e brancos (Canadá).
Finalmente, na conquista deste mandato, Dove foi até onde estão os detentores de mandatos tradicionais e falou em nome de seu público, batalhando pela aprovação de uma lei anti-discriminação, o CROWN Act em 2019 (Creating a Respectful an Open World fo Natural hair). A partir de pesquisas próprias que revelavam as dificuldades das mulheres negras em serem aceitas com seus penteados naturais (por exemplo: 54% mudariam seus penteados para uma entrevista de emprego), Dove liderou uma coalizam de instituições da sociedade civil, com apoio do Senador Holly Mitchell (Califórnia, USA), e fez passar essa lei que proíbe discriminação baseada em estilos, tipos de cabelos e penteados que a pessoa esteja usando.
O diretor global da marca e estratégia, Pau Bartoli, falando aqui em Cannes na apresentação sobre a marca, explicou que sim, a marca atua (sempre em coalizão com outros parceiros e representantes da sociedade) em ações de Lobby e RP em vários países, para aprovação de leis e regulações que protejam seus consumidores e combatam qualquer tipo de segregação ou preconceito, baseados na aparência, ou padrões de beleza. Ou seja, os consumidores (e os públicos que se manifestam a favor de Dove) reconhecem que, nestes 20 anos, a marca conquistou um mandato e legitimidade para falar em seu nome.
Os resultados, medidos por qualquer critério, atestam esse sucesso: um movimento social avaliado em US$ 7,3 bilhões; outros incontáveis bilhões de interações com a marca; consistentes e contínuos aumentos de venda em todas as linhas de produtos em todo o mundo. E a marca mais premiada da história de Cannes (um total de 41 Leões, criados e inscritos por 7 países, incluindo o GP Titanium, Brasil). E pelo andar do shortlist, mais vem por aí em 2024.
Emmanuel Publio Dias, BALT Consultoria; professor decano da ESPM e coordenador do programa Young Lions