O momento de isolamento social pelo qual a nossa sociedade está passando tem gerado inúmeras reflexões e previsões acerca do futuro.

Como sou mais adepta a retrospectivas do que a ilações, tenho pensado muito na minha trajetória até aqui. Eu cresci na ditadura, me formei no final dos anos 80, pintei o rosto de verde e amarelo pelas Diretas Já, vi um Presidente eleito morrer antes da posse, passei pelo plano cruzado e tantos outros.

Quando comecei a trabalhar numa agência chiquérrima, com um pavão circulando pelos jardins, lembro como se fosse hoje de ouvir pela primeira vez a frase “vai ter corte” ecoando pelos corredores. Mal sabia eu que ela repercutiria várias vezes durante a minha vida.

Na faculdade, tínhamos que dissertar sobre “As estratégias que o marketing deveria adotar para a sobrevivência das marcas frente a inflação galopante”. Um desafio e tanto, já que você entrava numa loja pela manhã para comprar uma geladeira e o vendedor dizia: “leva logo porque à noite o preço vai subir”.

Os anos 90 trouxeram o Collor e o seu terrível plano que esvaziou as nossas carteiras e levou milhares de pessoas à loucura. O Brasil recorria ao FMI e, entre tantas crises, eu e toda uma geração ainda vivíamos uma época em que palavrinhas mágicas como empatia e resiliência, nem passavam pela cabeça dos senhores que estavam no poder (isso mesmo, senhores, porque as senhoras eram pouco consideradas nos cargos de liderança daquele período).

As agências, sempre nas suas bolhas, eram repletas de pessoas que viviam numa eterna “la-la-lândia” que não combinava com o cenário vigente no País. Nas pequenas rodas, comentavam sobre os restaurantes de Nova York com a mesma desenvoltura que eu poderia falar sobre o Grupo Sergio (aqui, só quem viveu vai lembrar, para os outros sugiro dar um “google”).

Trabalhei num lugar em que havia seis vagas na garagem só para abrigar os carros importados do CEO, um deles que, inclusive, eu cheguei a entrar para ir ao cliente, quase no porta-malas é claro, já que eu era uma mera executiva de contas nesta época. Dentro daquele carrão a sensação de agressão social era assombrosa.

Como o sujeito era muito lacônico e as pessoas tremiam de medo ao vê-lo passar, logo o apelidei de “Lord Voldemort – aquele que não se pode pronunciar o nome”.

Foi um tempo bem complicadinho, diga-se de passagem, especialmente para as mulheres.

O período de bonança econômico finalmente chegou, mas ele durou uns quatro anos, o que me faz concluir que durante uma carreira de 30 anos, em média, a minha geração viveu 85% da vida profissional no caos.

No momento em que a sociedade está caminhando para diminuir os preconceitos, os assédios e outros hits do passado, aparece o Corona que até agora já se mostrou maior do que todas as crises que mencionei.

Se existe um lado positivo, no meu caso, é que hoje eu trabalho num ambiente plugado no digital e que fez a nossa transição para o home office acontecer naturalmente. Todos os dias eu aprendo novas práticas com uma galera jovem, super conectada e, em troca, procuro passar a serenidade de que quem já viveu poucas e boas.

Em casa, tento encontrar novos prazeres nestes tempos de confinamento, inclusive já fiz amizade com a minha esponja de lavar, a lady Scott, que tem retribuído as atenções.

Como será o mundo pós Covid-19, ninguém sabe. Mas tenho a convicção de que haverá um novo arranjo na organização social.

Quanto a nós publicitários, cabe a missão de incentivarmos nossos clientes a serem mais aguerridos e aceitarem ideias proativas e inovadoras para o enfrentamento do embate imposto por esta nova realidade.

Valeria Cirello, head de squad na Greenz