As “Fake News” existem há séculos, desde que a humanidade se comunica por gestos, pela fala ou pela escrita e, dificilmente, deixarão de existir. Contudo, na última década, embalado pela velocidade da transformação tecnológica da sociedade, o dano causado pelas fake news, em todo o mundo, cresceu de forma exponencial. No campo político, está comprovado que as fake news foram preponderantes para mudanças de rumos, inesperadas e inexplicáveis, em pleitos eleitorais em vários países. E, no campo social, chegam a arruinar reputações de pessoas, marcas e empresas, e desinformam a população em casos de vida ou morte, como ocorre na pandemia da Covid-19.

O agravante desses efeitos perversos das fake news é que, no contexto da popularização da internet, das redes sociais e dos aplicativos de mensagens instantâneas, elas têm sido alavancadas pelo impulsionamento pago desses conteúdos, ou seja, pelo investimento em publicidade digital que multiplica, até por milhares de vezes, a exposição dessas falsas notícias.

Para entender melhor a extensão desse mecanismo, hoje, qualquer pessoa localizada em qualquer ponto do mundo, munida de um cartão de crédito, pode realizar disparos em massa de um conteúdo para perfis do país que desejar, conforme o alcance da rede que escolher, não só disseminando notícias falsas, mas fazendo-o em grande escala, com intenções ocultas, sem identificação da fonte. Esse fenômeno cresce de forma exponencial, em diversos campos, por meio de empresas especializadas em disparos de mensagens em massa, que cuidam de impulsionar essas falsas notícias nas redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas.

Estamos à mercê de “influenciadores” cuja real intenção nós desconhecemos, que podem ou não viver no Brasil, podem ou não pagar impostos e que, principalmente, ferem as regras vigentes de liberdade comercial, observadas pelos demais players da publicidade e pelos veículos de comunicação, nos quais o autor da mensagem, do conteúdo ou da campanha é passível de ser identificado. Ou seja, são implicações de toda ordem e que também promovem a concorrência desleal, atingindo empresas, pessoas físicas e a sociedade em geral.

A discussão no momento, fomentada pela CPI das Fake News e pelos trâmites em andamento no Congresso, é o Projeto de Lei 2.630/2020 aprovado pelo Senado Federal, que está em tramitação na Câmara dos Deputados. O objetivo deste PL é regularizar a questão, com a criação de mecanismos que possam, no mínimo, equilibrar o jogo, de modo a contrabalançar o ataque das fake news, identificando as fontes e punindo os responsáveis pela propagação de notícias falsas.

Atualmente, não há lei que obrigue a identificação da pessoa física ou jurídica que paga por esses disparos em massa, já que os dados privados são protegidos por lei e ficam armazenados pela empresa cujo serviço foi contratado.

Em todas as outras mídias – especialmente as tradicionais, rádio, TV, mídia impressa e exterior -, é facilmente identificável a pessoa física ou jurídica responsável pela campanha veiculada, ao contrário do procedimento observado nas plataformas sociais e nos aplicativos de mensagens. Por exemplo, você até sabe que o post que você leu hoje no Facebook sobre um assunto de seu interesse é “conteúdo impulsionado”, mas será que você sabe quem está veiculando a informação? Você consegue facilmente dizer quem é o responsável por você estar lendo o que leu hoje pela manhã?

Para que tenhamos mais transparência nas ações, e também uma justa concorrência de mercado, o ponto que tem que ser mudado é exatamente esse. Disparos em massa feitos por “anônimos” não deveriam mais ser permitidos ou tolerados. Trata-se, portanto, de uma questão de transparência para o público e também de liberdade comercial.

Faz-se necessária, nesse contexto, a identificação de quem impulsiona conteúdos comprovadamente falsos nestas mídias digitais, para que os responsáveis venham a ser encontrados para esclarecimentos se necessário for, e, obviamente, sem deixar de observar os direitos provenientes da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. É importante frisar também que, não se trata de identificar explicitamente o responsável pelo impulsionamento no conteúdo impulsionado, mas que esta informação esteja disponível via fácil acesso, e possa ser checada se necessário, conforme cada caso.

A necessidade de tornar obrigatória a identificação de quem paga para impulsionar esses conteúdos em redes sociais como o Facebook, e em aplicativos de mensagens instantâneas como o WhatsApp, está mobilizando 27 entidades do setor da comunicação social, que enviaram documento ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, a fim de explicar a extensão do dano desse modelo aos parlamentares que votarão o Projeto de Lei.

Outro ponto importante que será defendido pelas entidades para que seja inserido no PL das Fake News é a obrigatoriedade de que toda a empresa que faz uso regular das redes sociais no Brasil, que impulsiona campanhas e que recebe retorno financeiro destas ações, tenha CNPJ nacional, endereço fixo e tenha representantes legais no país, para que possam ser encontrados em caso de litígio. Esta medida visa a transparência das ações realizadas profissionalmente no setor de publicidade via redes sociais e irá facilitar na identificação e na requisição de explicações pelos responsáveis, numa eventual contenda jurídica devido à propagação comprovada de fake news. Nada mais justo, afinal, que uma empresa que veicula publicidade, circula mercadoria, vende e lucra no Brasil, também seja responsabilizada pelas leis brasileiras, pague os impostos devidos, e responda juridicamente por meio de um CNPJ brasileiro. 

Portanto, estes são os dois pontos centrais que devem ser debatidos pela sociedade e apreciados pelos deputados e senadores, empenhados na criação do PL das Fake News. Precisamos, como profissionais da comunicação e da publicidade, criar esta defesa, com base numa lei justa, contra um dos maiores males do nosso tempo, cujo potencial de dano é grande demais para que não seja tratado com a seriedade necessária.

*Dudu Godoy é presidente do Sinapro-SP, VP da Fenapro e VP do CENP