Filtros e imagens: de quem é a responsabilidade?
Atualmente, o uso contínuo de redes sociais se tornou comum na nossa sociedade, postar uma foto do seu final de semana ou um stories do restaurante onde está jantando é corriqueiro. Com a popularização do feed e dos stories, chegaram os filtros, possibilitando alterar digitalmente a imagem de uma foto.
Os filtros do Instagram não vieram do instagram, foram iniciados na rede vizinha o snapchat, voltado para postagens de vídeos e fotos que ficavam disponíveis por apenas 24h. Em 2016, o Instagram adaptou a ferramenta. E essa forma divertida de colocar orelhinhas de animais e óculos divertidos no rosto das pessoas foi substituída por imagens deturpadas e - que surpresa - apoiadas em traços brancos e europeus. Modificam completamente os rostos, afinando o nariz, mudando a tonalidade da nossa pele, alterando o formato da boca, deixando todos com a mesma aparência estereotipada que a indústria da beleza nos força a buscar, sobretudo nós, mulheres. Por menor que pareça, os filtros transformaram a forma como as pessoas se enxergam. Não seria exagero dizer que, aparecer no stories sem nenhum filtro se tornou praticamente inédito e até "corajoso" para algumas pessoas. Comprovação disso é a hashtag #semfiltro que informa os seguidores de que o que se vê é "natural", seja uma paisagem, seja um rosto.
O uso de filtros que modificam os rostos humanos influenciam ainda mais na autoestima e psicológico de usuários e usuárias se tornaram motivo de preocupação. Tanto que, na Inglaterra, a Ogilvy, maior grupo de comunicação do mundo, deixou de trabalhar com influenciadores que editam,, retocam os seus corpos ou rostos para campanhas de marca e passou a permitir apenas trabalhos que editem o contraste ou o brilho, para combater os danos à saúde mental das pessoas.
Que fique claro que não sou contra o uso desta tecnologia, existem filtros que contribuem para reforçar a ideia de orgulho, filtros que apreciam a cultura e trabalham sim a valorização e visibilidade de muitas coisas silenciadas estruturalmente. A escolha do uso do filtro precisa estar relacionada com o influenciador que a escolhe, mas também respeitar a individualidade dos corpos e, principalmente, não reforçar a segregação e a supremacia de determinadas aparências - e existências. O filtro pode parecer algo pouco expressivo na comunicação, mas não, ele pode ser um decisor de narrativa e de entrega.
A marca precisa escolher pessoas alinhadas com o seu discurso, porque esses defensores de seus produtos de publicidade precisam ter valores adequados com o discurso da empresa. Com as marcas que eu trabalho, é uma decisão minha, já na negociação o não uso de filtros ou filtros que não alteram a realidade, principalmente com o produto que está sendo entregue. Considerando, claro, que elementos de negociação podem ser diferentes nos diferentes estágios que o criador está não apenas de sua carreira, mas também nos seus próprios processos de autoconhecimento. Todo mundo e cada um de nós tem seus tempos e não cabe a ninguém fazer julgamentos neste lugar. Hoje, de onde estou, prefiro levar essa questão para dois lugares.
Primeiro, fazer uma avaliação sobre as marcas que decidem colocar o uso de filtros em suas estratégias e briefings, sabe? A segunda é a seguinte: quando uma agência toma uma decisão como a da Ogilvy, será que é sobre isso? Vetar criadores? Criadores que interagem com uma sociedade que padroniza a ideia de beleza e valoriza corpos específicos? Não seria mais propositivo e inclusivo trabalhar para que os briefings fossem objetivos sobre a não utilização dos filtros nos jobs, com breves textos explicativos sobre este posicionamento?
A discussão não é e não pode ser apenas sobre criadores, mas também sobre os estímulos a que ele está submetido, coisa que as marcas, principalmente as da indústria da beleza, têm responsabilidade histórica.
Ana Paula Xongani é multiempresária nas áreas de Moda e Comunicação