Genealogia nerd

O cinema congrega, em uma só arte, várias: imagem, som, roteiro, música, animação e design. E, ao contrário da banalização de diversas atividades com a chegada do digital, o cinema continua sendo a excelência em arte. Não é porque as câmeras hoje são digitais, que ficou fácil ou simples ou barato filmar. Pelo contrário. A altíssima resolução do digital exige que a arte seja cada vez melhor e mais bem feita.

Quem vai fazer cinema hoje conhece e precisa conhecer as inovações que Hitchcook promoveu. A ousadia de Copolla, a inventividade de George Lucas. Precisa conhecer os clássicos. Sob pena de não ser levado a sério ou considerado apenas. Hoje em dia é tão fundamental você ser denso e profundo em conhecimento para o cinema quanto era há 50 anos. Quem entra para o cinema vive o mundo do cinema.

Assim como a pintura, onde os clássicos precisam ser conhecidos. As escolas e os movimentos precisam ser dominados, debatidos, entendidos. Na literatura, artes plásticas e outras expressões artísticas como música, por exemplo. Não há como fazer um disco de blues sem ouvir blues. Ouvir os clássicos, Moody Waters, Robert Johnson. Conhecer profundamente para daí criar algo novo. E com publicidade?  Ainda mais. A publicidade, por si, envolve música, literatura, design e cinema que envolve tudo isso e muito mais. Envolve entender de gente também. Publicidade requer que o profissional seja um AdNerd (ouvi essa palavra num podcast, numa entrevista do Anselmo Ramos), que conheça quem fez, o que, por quê, onde, como e quando. Por vários motivos. Quem conhece o que foi feito tem mais repertório e mais ferramentas para levar a indústria da comunicação além. Não repete, transforma. Molda, erra menos, pois entende o que funciona e o que não é bom. É chocante isso, mas publicidade não começou em 2017. Primeiro veio Washington. E antes dele os incríveis Petit, Zaragoza e Dualibi. Ao lado deles, os fundamentais Periscinoto, Helga, Fontoura, Ercilio, Magy, Neil. Depois de Washington vieram Camila Franco, Jarbas, Nizan. De Nizan veio Tomas, Marcello, Alê e Erh, que depois seguiram suas trilhas solo de sucesso. Adriana, Ana Carmem, Julio, Fábio e dezenas de outros craques também fizeram muito pela indústria da comunicação.

Você precisa conhecê-los. O trabalho deles é ótimo e relevante até hoje. Tem mais. Muito mais para ser descoberto por quem deseja ser publicitário. Vale a pena ser nerd de publicidade. Não havia internet na época, mas havia raciocínio, criatividade, estratégia. E isso não mudou. Como o cinema. Sorte da pessoa que entende isso e estuda. Quando você pesquisa anúncios e ações criadas nos anos 1950, 1960, 1970, 1980, 1990 etc., vai encontrar raciocínios e estratégias válidos para hoje em dia. Ou então esse conhecimento vai ajudar você a não achar a primeira ideia incrível. A vida não é uma linha reta. É um círculo. Comento isso, pois outro dia fiquei chocado com um criativo que não conhecia The real man of genius. Campanha que poderia estar aí veiculando no TikTok e com muito sucesso.

-Today Salute you Adman that unknown the real admans!

Como alguém pode viver de publicidade sem conhecer o que nos trouxe até aqui? E não cito apenas os brasileiros. A arte do Dan, a simplicidade do Bill, do Bernbach, a ousadia do Alex (no qual se inspira quase que toda a indústria hoje em dia) e muitos outros artistas da publicidade são obrigatórios. Sabe aquela máxima: criativo tem de se inspirar na vida?! Tudo bem, mas, antes, precisa conhecer a profissão e quem fez realmente trabalhos incrivelmente criativos. Se vale para a pintura, o cinema e a literatura, precisa valer para a publicidade. Agora, como você pode escrever um novo capítulo da indústria da comunicação, se nem imagina como a história do livro começou?

Flavio Waiteman é CCO-founder da Tech and Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br