Generativo não é criativo

Se você vive neste planeta, deve estar acompanhando alguma discussão sobre o uso da inteligência artificial, no trabalho ou na vida cotidiana. Na indústria de mídia e entretenimento não tem sido diferente. Parece um mundo de possibilidades, imprevisível com as limitações de conhecimento que temos hoje. Para alguns, os impactos são devastadores. Para outros, a solução de todos os males. Positivos ou negativos, não importa, a verdade é que, por enquanto, são imensuráveis.

Mas precisamos usar esses últimos anos de avanços tecnológicos para acalmar alguns entendimentos. Inovação é uma constante. De tempos em tempos, novidades passam a integrar, impactar e alterar nossa realidade. Em geral, as coisas se acomodam e partimos para novas ansiedades. Que a IA é um caminho sem volta, já sabemos. Porém, é natural que haja um movimento pendular. Ora resistimos, ora avançamos. Então a pergunta de milhões é: o que, de fato, vai prosperar?

Em produção de conteúdo, o que mais chama a atenção é o impacto que a IA generativa terá sobre o que é ser humano, o que nos torna únicos e especiais. Ela seria mesmo capaz de criar um conteúdo original? De tudo que pude observar até o momento, acredito que generativo está longe de ser criativo. São necessários parâmetros que nascem da nossa capacidade de comunicação e conhecimentos prévios para criar regras e padrões que orientem a tecnologia sobre o produto final. O resultado pode ser novo, mas deriva de indicações ou instruções pré-definidas sobre o que a ferramenta de IA deve fazer – o prompt.

O prompt precisa ser criado, ajustado e repensado pelos criadores. A IA generativa não é sequer capaz de entender que um personagem criado é exatamente o mesmo independentemente da ação que esteja acontecendo. É preciso ensiná-la a cada passo. Dos pequenos aos grandes comandos. Um desafio gigante!

Por outro lado, na criatividade reside o original o que depende da espontaneidade e da inspiração humanas. A criatividade é imprevisível e nos faz chegar a lugares novos. Nada vai substituir a autenticidade.

Divido um exemplo do cotidiano para reforçar esse ponto. Sibely era manicure em um salão e estava incomodada com os ganhos restritos e a rotina extenuante de trabalho. Resolveu atender suas clientes em domicílio por conta própria – estava empreendendo. Percebeu rapidamente que para atender mais clientes, precisava organizar a agenda de acordo com os endereços – estava otimizando a rota. Pouco tempo depois, precisava reduzir o peso que carregava. Criou kits personalizados para cada cliente que conferem exclusividade e higiene – estava distribuindo o estoque para a ponta da cadeia e aumentando o nível de serviço da cliente.

A Sibely não dava esses nomes e nem recorreu a nenhuma ferramenta de IA, mas fez gestão financeira, controle de estoque, previsão de rotas, colocou o cliente no centro e escalou o negócio. Sua capacidade de entender seu público, suas necessidades – ditas e não ditas (ela não tinha prompt) – e em repensar o modelo de trabalho foi a responsável pelo sucesso.

Alguns podem achar essa história pitoresca. Mas não é sobre isso. É sobre inovar em ideias, pensamentos, processos, recursos e atitudes. Até posso acreditar que um dia as unhas serão feitas por inteligência artificial (será que já existe e eu estou atrasada?), mas aposto que esse modelo será criado, desenvolvido e explorado por humanos como a Sibely. Ponto para ela!

Vou além: será que algum dia abriremos mão do afeto? Somos seres sociais, feitos de conexões. Arrisco dizer que há afeto na criatividade, porque é preciso pensar o outro e a si mesmo com profundidade, desejos e anseios, para criar algo novo. Por isso, a IA, que parte de nossos inputs, continuará sendo um reflexo de nossos comandos, externando nossas belezas e feiuras dentro dos limites que nós impusermos. Ponto para o ser humano!

É sobre um misto de inquietação e curiosidade. É sobre ser capaz de pensar diferente – sem padrões, sem prompt, sem parâmetros. É sobre a autenticidade. É sobre afeto.

Assim, à medida que esse nosso caminho com a IA passa por reflexões como: o que te move? O que te diferencia? O que só você e/ou os seus viveram? Qual a sua curiosidade? Quem é você? Entendemos que é esse caldeirão que nos torna únicos e insubstituíveis naquilo que não é possível emular. É esse repertório que alimenta nossas paixões, desejos, intenções e afetos.

É verdade que tudo isso é só minha opinião, fruto de quem sou e das minhas experiências. Mas podemos caminhar na história e lembrar que Einstein já dizia que a imaginação tem mais valor do que o conhecimento. E só ela é capaz de explorar o desconhecido e conceber ideias que podem transformar nossa compreensão do mundo.

No fim, só imagino que lidar com a IA vai ser um mergulho em nós mesmos. E se você ainda não refletiu sobre si, não perca tempo. É melhor que você se conheça bem, não haverá promptsem você. E mais: para além de qualquer tecnologia, estamos e estaremos sempre em nossa companhia.

Fabiana Moreno é diretora de produção dos Estúdios Globo