IA, a chefa
Li que uma empresa chinesa substituiu o CEO pela inteligência artificial, e suas ações subiram 10% na Bolsa de Valores de Hong Kong. Mas não é a única.
Recentemente, outras centenas de companhias vêm substituindo seres humanos em cargos de liderança pela IA. A gente tende a ficar horrorizado com uma notícia dessas, preocupados com a desumanização da gestão. Mas, se pensarmos um pouco no padrão médio com que gestores costumam exercer seu comando, não parece tão ruim assim.
Peguemos algumas agências de publicidade, por exemplo. Será que a IA seria pior que um CEO que tem ataques histéricos, esbraveja e humilha subordinados?
Será que a IA começaria a perseguir um funcionário por sentir que, com ele na empresa, o seu posto fica ameaçado? Ou a IA usaria do seu poder para sabotar uma boa ideia só porque não foi ela quem teve?
Será que a IA praticaria uma política de recursos humanos cheia de engambelações e idas e vindas, de modo a fazer com que as pessoas se sentissem permanentemente inseguras com relação ao emprego?
Será que a IA contrataria na moita um substituto para alguém, de modo que esse alguém continuasse até o último dia, trabalhando duro, acreditando que seria mantido na empresa?
A IA contrataria legalmente apenas júniores e manteria, com profissionais mais experientes, uma relação de trabalho precária, em que desrespeitaria despudoradamente o mínimo de decência na exigência de horas disponíveis por eles para a empresa?
A IA sustentaria uma relação informal com prestadores de serviço, adiando por meses sua contratação, de modo a atrasar a obrigação do cumprimento de responsabilidades trabalhistas?
A IA demonstraria tamanho mau caráter e falta de empatia, a ponto de levar seus subordinados a adoecerem por conta do nível de tensão em que terão sido permanentemente submetidos no trabalho, os tornando incapazes de dormir e se alimentar saudavelmente?
A IA promoveria regularmente práticas de assédio moral apenas para exibir poder e ser temida? A IA insuflaria disputas internas o tempo todo para evitar que seus subordinados se sentissem fortes como grupo?
A IA encorajaria com falsas promessas de compensações, colegas a se denunciarem ou exporem fragilidades dos outros?
A IA criaria ambientes absolutamente impessoais, em que os colaboradores não disponham sequer de um espaço apropriado para trabalhar, tendo de realizar suas tarefas praticamente empoleirados, no lugar disponível no momento, sem conforto, privacidade, nem a mínima condição para se concentrar?
Quero acreditar que não, principalmente pelo pouco de inteligência que toda essa desonestidade acaba revelando. Parece-me que a inteligência artificial tem o grande mérito de ter um objetivo e trabalhar logicamente no sentido de alcançá-lo.
Talvez por isso não seja ardilosa como somos tantas vezes, nem assumidamente canalhas como somos em tantas outras. A IA não ter sentimentos acaba não sendo uma diferença tão importante numa comparação com certos patrões e chefes. A IA, tende, inclusive, a ser mais justa.
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com