Meses atrás, na seção Link, do Estadão, uma pagina inteira de assuntos funestos. Antes da Covid-19. Agora, é o jornal todo. Que só os tech addicted e os sinistros devem ter chegado ao fim. Uma página comentando sobre os avanços na relação tecnologia X morte. A pauta nasceu a partir de um estudo que vem sendo realizado pelo Labdaps – Laboratório de Big Data e Análise Preditiva da Saúde – da USP. Os jornalistas tiveram acesso às informações preliminares do estudo e, sem saber exatamente como noticiar, escolheram como título: Inteligência Artificial tenta prever quando as pessoas vão morrer. Tudo bem, se você teve vontade de rir fique à vontade. Eu ri. Para isso não seria preciso inteligência artificial. É suficiente conviver e olhar para as pessoas.

Minha mulher tem um primo médico que, de tanto conviver com pacientes terminais, desenvolveu uma sensibilidade: sente o cheiro da morte. Quando cruza com uma pessoa que exala esse aroma fúnebre e preditivo, estabelece com uma precisão quase que absoluta, quantos dias ou semanas mais de vida aquela pessoa tem pela frente. Quando ele chega perto de mim desconverso e saio fora. Na matéria, os cientistas dizem que já é possível, pelo estágio alcançado, prognosticar-se com um elevado grau de acerto, 70% dos momentos dos óbitos, mas, claro, o objetivo do estudo não é esse, caso contrário seria uma espécie de prazer de sádicos… O objetivo é de tentar identificar caminhos para ampliar o tempo de vida, e, também, garantir melhores condições de vida nos meses ou anos que restam. O estudo trabalhou sobre os dados de 2.808 idosos e levou em consideração 37 variáveis, submetidas ao escrutínio, processamento, organização, análise e inferências da Inteligência Artificial. Considerou o dado de 70% dos idosos, e aplicou as conclusões sobre os outros 30%. E fez seus prognósticos olhando para os cinco anos seguintes. Das 118 mortes que ocorreram no período a Inteligência Artificial prognosticou com um grande grau de acerto 83. Reiterando, o objetivo não era e não é esse. É o oposto. Como tentar garantir mais anos de vida e com qualidade. E aí, aproveitando o restante do espaço, e dentro do tema morte, Link foi atrás de startups brasileiras nesse território. Sem grandes novidades. Apenas a constatação de Market Places se organizando para disponibilizar alternativas de serviços para as famílias. E deu destaque a WebLuto, um marketplace dos funerais. Dezenas de prestadores de serviços anunciam-se na plataforma para vender sepulturas, cremações, velórios, flores e transporte. Sintetizando, com pinceladas de humor negro pelo proprietário do Web-
Luto, Siderlei Gonçalves, como “somos uma mistura de Uber e hotel urbano com destino à eternidade…”.

E aproveitando o tema os jornalistas do Estadão, Bruno Romani e Giovanna Wolf, deram uma olhadinha para fora. Foram atrás de novidades no business da morte, muito especialmente nos Estados Unidos, um mercado de US$ 20 bilhões/ano. E a grande novidade, descoberta pela Giovanna, é uma empresa americana, a Recompose, “aceleradora”, não de startups, de cadáveres mesmo, para transformar os mortos em um pequeno pedaço de solo, através do método da compostagem. O corpo fica exposto durante um mês a uma mistura química num reservatório a 50 graus centígrados. No final do processo a família recebe o resultado: um pequeno torrão de terra, onde poderá plantar uma planta ou árvore, e colocar num canto especial do jardim da casa, ou num grande vaso no apartamento. Investidores já colocaram US$ 7 milhões na startup Recompose. Para quem se interessar pelo assunto, e considerar a possibilidade de investir no próspero negócio da morte – o único em que se tem certeza absoluta que mais cedo ou mais tarde vai acontecer – recomendo dar uma olhada no Ted, onde a arquiteta e dona da empresa Katrina Spade defende sua iniciativa. Segundo Katrina: “Que bom seria se nossos corpos pudessem ajudar novas vidas manifestarem-se e crescerem depois de nossas mortes. Harmonizando, simultaneamente, partidas com chegadas. Talvez, a melhor forma de glorificar e eternizar a vida.” Tudo isso antes da Covid-19. Neste momento, e mais do que nunca, precisamos resistir. Perder a esperança, jamais. E é muito bonito glorificar e eternizar a vida. Claro, desde que não seja conosco.

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)