Esta história eu já contei para vocês. Mas minha vocação para tiozão de porre no Natal não morreu. Estamos chegando próximo da “Data Máxima da Cristandade”, como se dizia antigamente, e não aguento de vontade de recontar. Nossa editora me manda e-mails irritadíssimos quando descobre que estou me repetindo.

Minha mulher também fica brava quando, segundo ela, abro o baú de velharias. Sem segundo sentido, por favor. Só os amigos pedem “Lula conta aquela!”, pois amigo de verdade adora história antiga. E as netas também exigem repetição, não admitindo que eu mude um único tantinho do enredo.

Então, com os devidos perdões de quem não suporta reprise, aqui vai a linda e comovente historinha do Mario Vianna no Natal encantado. É um dos mais delicados contos que conheço.

Para os da nova geração, Mario Vianna foi um árbitro de futebol, depois comentarista esportivo, conhecido por ser um macho clássico: brigador, truculento, de não levar desaforo pra casa. Machão mesmo.

Uma vez, apitando, parou um jogo foi
até uma banda que tocava insuportavelmente nas arquibancadas, deu porrada em todos os músicos que não obedeceram a sua ordem de silêncio, voltou ao gramado e reiniciou a partida. Apesar disso era um doce de criatura.

Todos os anos ele se vestia de Papai Noel, alugava uma carroça e saía pela Urca,
onde morava, distribuindo presentes para as crianças. Ele vestidinho de vermelho, conduzindo seu trenó puxado a burro é uma das páginas mais bonitas de toda a tradição natalina carioca. Sempre me imagino vovô, rodeado de netinhos contando esta historinha cheia de lições de vida e de amor.

E enchendo a cara para aturar noras, genros, crianças brigando por presentes, trocando porrada sem nenhum motivo e chorando à toa, além de estragar o tapete e o sofá da sala. Mas voltando ao Mario Vianna, antes que o espaço e a memória acabem.

Todo Natal ele alugava uma charrete, se vestia de Papai Noel e ia distribuir presentes para as crianças. É fácil imaginar a zona em que se transformava o passeio. Uma multidão seguia a charrete e o trânsito parava. Ele achava uma delícia ver a alegria de quem ganhava brinquedinhos de plástico, sem nenhum valor, mas que era a prova viva de que Papai Noel existia de verdade e não se esquecia de ninguém.

Vai daí que num Natal, passando em frente a um botequim, Mario ouviu lá de dentro um grito: “palhaço!”. Calmamente freou o burrinho, desceu da charrete, foi até a porta do bar e perguntou, com a voz famosa do rádio, um misto de trovão com tuba: “Quem me chamou de palhaço?” Um silêncio amedrontado foi a única resposta.

Mario foi se enfezando: “Porrrrraaaaaa… quem foi que me chamou de palhaço?” Como não teve resposta, gritou seu célebre refrão (“sarrafo!”) e literalmente demoliu o estabelecimento, incluindo a geladeira da Kibon, o balcão da cerveja, a chopeira e todos os frequentadores. E voltou, já calmo, para continuar distribuindo os presentes.

As crianças aplaudiram freneticamente aquele Papai Noel diferente. Muitos deles, que já estavam mais crescidinhos e tinham dúvida sobre a existência do bom velhinho, se arrependeram de sua falta de fé e passaram a ter certeza de que realmente a lenda era uma realidade.

Podia até ser que Papai Noel não viesse da Lapônia, nem que voasse pelos céus num trenó puxado por renas. Mas o que importa não é como a verdade se apresenta. O que importa é que Mario Vianna era a prova viva de que o espírito de Natal pode existir.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)