Licença menstrual
No dia 8 de março de 2023, em uma reunião geral inesquecível, a CEO Roberta Faria comunicou à equipe que todas as mulheres e pessoas que menstruam teriam direito a até dois dias de descanso remunerado por mês, sem a necessidade de atestado médico, em caso de dores ou desconfortos provenientes do período menstrual. As reações imediatas foram de alegria, surpresa, emoção e muita vontade de compartilhar a novidade em nossas redes sociais pessoais e nas da marca. Primeiro ótimo sinal.
Também no ano passado, vencemos o prêmio ThinkWork Flash Innovations, na categoria Remuneração e Benefícios, e levamos ainda o troféu de Destaque do Ano. Na cerimônia de premiação, houve um momento em que os participantes - a maioria líderes de RH, sustentabilidade e marketing de pequenas e grandes marcas nacionais - foram convidados a votar em suas iniciativas favoritas para levar o troféu de Destaque do Ano. Foi então que vi, pela segunda vez, uma comoção tomando conta das mulheres na plateia. Concorrentes de categoria viraram nossas aliadas e fãs da licença menstrual: votaram em nós, brincaram que queriam saber para qual email poderiam enviar currículos e, por fim, aplaudiram com muita energia quando subimos ao palco para receber o grande prêmio da noite.
Como 89% do nosso quadro de funcionários é formado por mulheres, havia o questionamento inicial de que o direito a dois dias de folga por mês poderia afetar a produtividade ou o atendimento aos clientes. Mas, após um ano colhendo dados quantitativos e qualitativos, com a ajuda da nossa equipe de Gente&Cultura, concluímos que a licença menstrual tem saldo altamente positivo.
Até janeiro deste ano, foram tiradas 29 licenças (atualmente são 55 funcionários, e 49 mulheres), sendo que 65% foram de apenas meio período. Ou seja, depois de se alinharem com seus gestores, as funcionárias ficaram apenas o período da manhã ou da tarde longe das tarefas. Não registramos problemas de prazos, de cumprimento de tarefas, atendimentos a clientes e fornecedores ou atingimento de metas relacionados às folgas. Pelo contrário, nossas funcionárias têm relatado tranquilidade para fazer os pedidos de licença e para distribuir as tarefas entre os colegas e mais satisfação de modo geral. Nossa pontuação no ranking Great Place to Work até subiu! Como bem definiu Roberta Faria, cofundadora e CEO da MOL, a licença menstrual é uma iniciativa de baixo custo e alto impacto.
O que menstruar em paz tem a ver com a reputação de uma marca então? Muita coisa. Para começar, uma marca é feita de pessoas que trabalham muitas horas por dia. No caso da MOL, somos quase todas mulheres. A garantia de ter, sem burocracia ou constrangimento, algumas horas de descanso quando sentimos cólicas fortes ou aquela enxaqueca incapacitante não é só uma questão de dignidade trabalhista, mas também uma atitude que traz orgulho de saber que a empresa em que trabalhamos é pioneira e corajosa. Fica bem mais fácil espelhar esses atributos de marca quando a gente os sente na pele. É um impacto positivo concreto, cotidiano, tem regras claras e é coerente com o fato de termos equipes e lideranças femininas. É mais do que uma narrativa redondinha ou uma jogada de comunicação: é simplesmente genuíno.
Uma equipe que trabalha com mais bem-estar e com tamanha sensação de orgulho da marca que representa é também um grupo poderoso de porta-vozes e influenciadores da transformação que queremos provocar no mundo. No lançamento da iniciativa (em março de 2023) e um ano depois (em março deste ano) fizemos duas ondas de divulgação. Ambas compostas por um planejamento de conteúdo em vídeo para as redes sociais da MOL (Instagram e LinkedIn) e um bom press release, contendo falas da CEO sobre as motivações para implantar a licença e, no segundo sprint, dados numéricos e qualitativos das funcionárias que haviam usufruído do benefício neste primeiro ano. Abordamos veículos de imprensa selecionados para quem demos entrevistas em profundidade em áudio, texto e vídeo.
Desde o ano passado, temos recebido extensa cobertura da imprensa sobre o projeto: em um ano, a licença foi pauta de mais de 80 reportagens de revistas, jornais impressos, portais e TV, com grandes repercussões também nas redes sociais dos próprios veículos. Além de milhares de reais em mídia espontânea (muito acima do orçamento que dedicamos à comunicação paga anualmente), já inspiramos duas empresas, Phomenta e Bookwire Brasil, a implantar o projeto e temos recebido pedidos de outras organizações interessadas em saber mais.
Da timeline do LinkedIn ao SXSW, em Austin: onde encontramos colegas de outras empresas, parceiros, leads e profissionais influentes do mercado de comunicação e varejo (estratégicos para nós) já ouviram falar da licença menstrual. “Eu amei isso!”, “fiquei encantada!”, “que incrível!”, “devia ter em todo o lugar!”. Não por coincidência, são frases que todos gostaríamos de ouvir sobre os produtos e serviços que oferecemos. Como Donald Miller nos lembra em ‘Storybrand’ (Alta Books, 2019), “marcas que participam da transformação identitária de seus clientes criam apaixonados propagadores. (...) E os líderes que se importam mais com a mudança de vida do que com a venda de produtos tendem a realizar uma boa parte dos dois”.
Atributos de marca como pioneirismo, coragem, eficiência, ousadia, competência, produtividade, humanidade, inclusão e assertividade são então associados à nossa marca de modo pregnante e verdadeiro. Um benefício que tem a ver com menstruação, com o corpo humano e, portanto, capaz de gerar um vínculo associativo forte e perene entre as pessoas - homens e mulheres - e a organização. Compartilhar acertos consistentes da cultura de trabalho renova e reforça a autoridade da nossa marca dentro do próprio campo de atuação: o impacto social.
O famoso “walk the talk”. Uma organização que faz o que prega. Isso vale ouro no mercado contemporâneo de narrativas voláteis e escrutínio social. Mas só vale se for de verdade.
Raíssa Pena é jornalista e chief communications officer do Grupo MOL