Nestes tempos que, como diria Stanislaw Ponte Preta, urubu está voando de lado, quando a crise não está perdoando nem bordel e já tem dono de banca de bicho pedindo prazo para pagamento, vale a pena repetir esta história. Poucos roteiristas de novela teriam criatividade para inventar algo parecido e nem o mais sem-vergonha dos caloteiros teria coragem de usar desculpa tão inverossímil para não pagar o que deve. Como ninguém vai acreditar mesmo, eu digo até o nome do personagem. Weimar Freitas, hoje um dos mais belicosos frequentadores do WhatsApp, mas uma doce criatura quando jovem, além de um excelente profissional. Digo mais, mesmo hoje, quando se especializou em provocações políticas, continua uma companhia agradável, em que pese um mau humor bastante parecido com a furibundice generalizada que hoje grassa no país. Voltemos ao nosso personagem e ao nosso caso.

Situando a história, o Weimar numa época de sua vida, como nós todos já estivemos, estava na merda. Sua empresa, uma agência de publicidade, premida pelas circunstâncias. Ele cogitava fechar as portas e se dedicar ao seu grande e reconhecido talento: produzir eventos. E abandonar essa vida que, às vezes, parece um elevador destrambelhado. Só desce. Cliente dava cano, outro suspendia a verba, outro dava a conta para um parente. Até que surgiu uma oportunidade, daquelas de ajoelhar no milho e agradecer a Deus, ir ao candomblé e fazer jejum. Uma enorme verba, de um produto que é o sonho de qualquer ser humano. Uma bebida alcoólica. Um dos maiores sucessos de venda da indústria etílica. Na verdade, uma beberagem de gosto bastante duvidoso, mas que vendia como água. Uma mistura de álcool, “ervas finas” e “essências do oriente”, sem nenhum aditivo, afirmações verdadeiras pois o fornecedor das tais especiarias, instalado num terreno do governo às margens de uma represa, por pura economia, jamais usou adubo químico para dar viço às suas plantas. O nutriente era o mais puro, natural e orgânico cocô de vaca. O que, convenhamos, não tira a pureza e a organicidade do ingrediente. Pois bem, era a grande chance do nosso herói e ele resolveu não perder. Criou e produziu a mais impactante campanha que a indústria de bebidas já viu. Fez leiautes (alguém sabe ainda o que é isso?) ilustrados com tinta guache, sobre papel Shoeller, um luxo. Criou story-boards desenhados a nanquim e coloridos com Acrilex. Convocou os amigos e gravou os comerciais de rádio com os melhores locutores da época, incluindo o lendário Cid Moreira.

E, como se tivesse sob o efeito da bebida do cliente, baixou-lhe o santo na apresentação ao pessoal do marketing. Brilhou como uma Carmen Miranda, seduzindo o Pato Donald. Quase foi aplaudido de pé. O entusiasmo foi de tal monta que o diretor de marketing disse que ia levar a campanha imediatamente ao presidente da empresa. Juntou os leiautes e se foi. E ele ficou na sala de reuniões, esperando. Queria telefonar, queria gritar, queria ajoelhar e agradecer a Deus, a Iemanjá, à mãe. Mas manteve a compostura. E ficou esperando. E esperou. E esperou. Deu vontade de ir ao banheiro, mas ele resistiu. Até que, depois de muito tempo, resolveu sair para ver o que poderia ter ocorrido. E encontrou um escritório vazio. Não tinha ninguém em lugar nenhum. Numa das salas viu um pessoal deitado no chão, entre eles o diretor de propaganda. Ao lado, o presidente. Antes que pudesse falar, ouviu um grito: “deita no chão, filho da puta!” Era com ele. Acomodou-se justamente perto do presidente. Tratava-se, claro, de um assalto. Weimar foi se arrastando sutilmente mais próximo do chefão geral e, disfarçando, perguntou aos sussurros: “o senhor gostou da campanha?”. Antes da resposta, dois assaltantes pegaram o presidente e o levaram embora.

Era um assalto seguido de sequestro. Quando os ladrões se foram, Weimar ainda tentou catar os pedaços de leiaute pelo chão, o gravadorzinho Philips arrebentado, a fita cassete desenrolada. A história termina bem só para o presidente da fábrica de bebidas, que foi libertado intacto, ganhou um espaço imenso nos jornais, descontado o susto e o trauma. Nada que dois meses em Mônaco não resolvam. Mas o Weimar, esse, ficou no prejuízo. Nunca teve coragem de voltar à empresa para apresentar o plano de mídia, que foi a única coisa que não houve tempo de ser discutida. Os ladrões foram presos. E o Weimar ficou sem o faturamento. Não há justiça nesse mundo terreno.
PS. Antes que fiquem com dó do Weimar, ele se deu bem em outros negócios, deu certo como merece e hoje está curtindo a vida. Mas inferniza a vida de todo mundo na internet. Esta história é uma vingança.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)