Minha paixão pela Coca-Cola começou antes de eu nascer
Algumas marcas tornam-se significativas em nossa vida apenas pelo fato de terem sido importantes para algum membro da nossa família. Este é o meu caso com a Coca-Cola. Apesar de gostar deste refrigerante pelo sabor e pela alegria que ele me proporciona, estas não são as principais razões da minha preferência. O meu profundo amor vem desde a infância, quando meu tio Moishe me contou o que esta marca simbolizava para ele.
Tio Moishe era romeno e, com a perseguição aos judeus, vivenciou os horrores do Holocausto. Passou por campos de trabalho forçado e seus depoimentos sobre a Segunda Guerra foram registrados em vídeo pela equipe de Steven Spielberg e estão expostos no Museu de Anne Frank, em Amsterdam. Após o Holocausto, tio Moishe teve de se deparar com o regime comunista da Romênia. Os judeus ainda eram muito discriminados. Era proibido falar hebraico e ser comerciante. Tudo tinha de ser em segredo.
Em 1960, quando seus filhos tinham 3 e 9 anos, tio Moishe e sua mulher, Frida, receberam uma excelente notícia: os passaportes tinham sido liberados e eles poderiam sair do país.
Mas, apesar de terem esperado 10 anos pelo documento, a viagem tinha de acontecer naquela tarde. Em poucas horas, eles teriam de fazer as malas, correr para a estação de trem e deixar a Romênia. Tio Moishe estava tão agitado que nem conseguia respirar. Minha tia Frida estava confusa, não havia se preparado psicologicamente para aquele momento tão repentino e não sabia o que levar e o que deixar. Selecionaram apenas o indispensável.
Quando chegaram na fronteira, um guarda informou que eles só poderiam viajar no dia seguinte porque o responsável pela alfândega não estava naquele momento. Tio Moishe argumentou: “Deixei a minha casa correndo e o meu passaporte expira hoje à noite; amanhã não poderei embarcar. Se quiser me libere e fique com toda a bagagem.” O guarda se sensibilizou e os deixou passar.
No dia 24 de julho de 1960, meus tios Moishe e Frida e seus pequenos filhos embarcaram em um voo que finalmente os levaria de Atenas até a Venezuela. No entanto, quando já estavam quase chegando, depois de várias horas de ansiedade, o piloto informou pelo microfone que não poderiam aterrissar em Caracas, pois o presidente do país, Rômulo Betancourt, havia acabado de sofrer um atentado. Ele estava em seu carro rumo a um desfile militar para comemorar a “Batalha de Carabobo” quando um carro-bomba explodiu bem ao lado do seu, provocando em seu corpo várias queimaduras e tirando a vida de um coronel que estava com ele. Algumas horas depois, o aeroporto foi reaberto e eles finalmente puderam desembarcar.
Cansados da viagem, chegaram na casa de familiares onde se hospedariam. E tinha televisão! Em Radaútz, onde residiam na Romênia, era um luxo do qual apenas as famílias em melhores condições podiam usufruir e eles nunca tiveram o privilégio de conhecer. E foi então que, depois de ficarem hipnotizados com a TV, surgiu instantaneamente uma grande paixão pela Coca-Cola. Eles nunca tinham visto aquele líquido preto e gasoso e, quando o experimentaram pela primeira vez, ficaram fascinados.
Apenas dois dias após a chegada em Caracas, tio Moishe já estava trabalhando. Sem falar o idioma, ele se ofereceu para ser vendedor ambulante de uma loja de roupas e se informou sobre onde havia uma cidade potencial para efetuar as vendas. Recomendaram que ele fosse a Los Teques. Ele pegou um ônibus para esta cidade e, sem falar absolutamente uma palavra de espanhol, começou a passar de loja em loja oferecendo lenços e luvas. Com bastante esforço, depois de algumas recusas, ele entrou em uma loja para oferecer os produtos. O dono da loja disse:
“Ya tengo!” (que significa: “já tenho”)
Tio Moishe pensou que “ya tengo” significava “está caro”.
E reduziu o preço:
“Pague então 14 bolívares!”
“Ya tengo!”
“Pague então 13 bolívares!”
“Ya tengo!"
“Pague então 12 bolívares!”
“Ya tengo!”
“Pague então 11 bolívares!”
“Dame todo!” (“me dá tudo!”)
O preço havia ficado tão barato que o dono da loja não resistiu e tio Moishe ganhou 100 bolívares e se sentiu poderoso. Ao chegar em casa, ergueu seus filhos no colo e disse orgulhoso:
“Com este dinheiro, podemos comprar 400 Cocas-Cola!”
A partir daquele dia, criou a brincadeira de calcular com sua família quantas garrafas de Coca-Cola era possível comprar com tudo o que ganhava. Anos depois, tio Moishe ainda repetiria à minha tia Frida muitas e muitas vezes o que sentiu naquele dia de sua primeira venda: “Foi uma sensação indescritível, uma das maiores alegrias da minha vida”.
E foi assim que a Coca-Cola tornou-se de lá para cá, até os dias de hoje, a marca preferida da minha família.
Betty Wainstock é professora dos cursos de Competências Interpessoais e Negociação no in Company da ESPM Rio e sócia-diretora da Ideia Consumer Insights