A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – Lei no. 13.709/18 estava prevista para ter sua vigência a partir de 15 de agosto de 2020, mas isso foi antes da pandemia do COVID-19 e da situação de calamidade pública que não é vivida exclusivamente no Brasil, mas também no resto do mundo.

Em meio a essa situação caótica, a sociedade em geral e Governo tiveram que reestabelecer suas prioridades e o novo modo de ser das coisas com o agravante de que tiveram que operacionalizar todas essas mudanças à distância, provocada pelo isolamento social.

Com essa mudança súbita de agenda por um assunto urgente de saúde pública, a ANPD – Autoridade Nacional de Proteção de Dados, não obstante criada pela Lei 13.853/19, não foi ainda instituída, assim, toda a orientação prática que as pessoas, empresas e Governo aguardavam receber dessa autoridade deixou de ser feita e, assim, todos ficaram à deriva.

Nesse cenário complexo que estamos vivendo, muitas medidas provisórias e projetos de lei vieram ao socorro do Governo e da sociedade em geral, entre elas a MP 959/20, ora vigente, que determinou a data de 03 de maio de 2021 para entrada em vigor da LGPD e o PL 1.179/20, já convertido na Lei 14.010/20, que adiou a vigência apenas as penalidades da LGPD (artigos 52, 53 e 54 da LGPD) para 1º de agosto de 2021.

Essa insegurança jurídica estabelecida em relação à vigência da LGPD, dado o destino incerto da votação da MP 959/20 no Congresso Nacional, obviamente, está longe de ser ideal e causa perplexidade àqueles que desconhecem a realidade brasileira, quanto mais que as penalidades da mesma lei já foram adiadas.

Não obstante tal incerteza, não se pode deixar de reconhecer que o adiamento da vigência da LGPD, trazida pela MP 959/20, veio como um alento à sociedade em geral que se via, antes da sua vinda, obrigada, mesmo nessa situação de calamidade pública, a cumprir as determinações da LGPD sem as necessárias diretrizes da ANPD, em 15 de agosto de 2020. Há quem defenda que o adiamento simplista das penalidades, já socorreria os agentes de tratamento de dados que devem cumprimento a LGPD, contudo, essa suposição não é verdadeira, já que as obrigações previstas pela LGPD poderão ser exigidas na prática por qualquer um que tenha interesse para tanto, passando pelos titulares de dados e alcançando também Ministério Público e Procons.

Desta forma, o mundo ideal era que não existisse a pandemia e que toda a sociedade estivesse pronta para a entrada em vigor da LGPD agora em 15 de agosto de 2020, dado que mais que nunca vivemos na era digital. Contudo, não podemos negar os fatos do mundo real, todos muito claros: a) a sociedade em geral e Governo tiveram que reestabelecer suas prioridades, tendo sido obrigados a deixar de lado a preparação para a entrada em vigor da LGPD; b) pessoas, empresas e Governo não receberam as diretrizes e orientações que deveriam vir da ANPD, ainda não instituída; e, finalmente, c) o adiamento da vigência das penalidades por si só não socorre as pessoas, empresas e Governo que precisam se adequar à LGPD, podendo suas obrigações serem exigidas por quem tiver legítimo interesse para requerer seu cumprimento.

Deixemos, de uma vez, o mundo ideal e nos atentemos à realidade que bate à nossa porta e que não nos deixa dúvidas sobre a necessidade do adiamento da vigência da LGPD.

Eliane Quintella é VP do Comitê de Jurídico da ABA e Head of Legal Department da Danone