Quem não quer ver, que não veja. Se algo incomoda você, não use. Isso serve para qualquer coisa na vida. Mas censurar porque alguém discorda ou não gosta, isso não serve para a democracia. A cultura e os meios de comunicação estão sob censura? Não creio. Se não, não estaríamos neste momento discutindo sobre ela. Mas, o ideal é estar sempre alerta, caso isso não aconteça, os censores de plantão avançam e tomam conta de tudo.

Todos já desconfiaram do que estamos falando neste momento. Sim, é o filme de Natal, a Primeira Tentação de Cristo, assinado pela Porta dos Fundos. Quem não gosta, não concorda ou se sente agredido, não deve assistir. Mas, não encha a paciência dos outros. É assim que deveria ser. Opinar e discordar faz parte, mas tentar tirar do ar é demais. Isso configura censura. A produção pode até não ter graça, mas está cheio de coisas chatas que, por vivermos numa democracia, temos de aceitar. E isso não significa concordar, que fique bem claro. Por isso, o mundo está cada vez mais chato.

Não faz muito tempo ouvi o Jô Soares, criador no passado de inúmeros personagens politicamente incorretos, como Norminha e Capitão Gay – quem não os conhece tente, vale a pena –, que hoje está sem graça fazer humor, porque tudo está sob vigilância constante. Mesmo com toda essa vigilância, as estatísticas não param de subir quando o assunto é violência contra gays e mulheres, só para ficar com esses dois recortes. Outros tantos tipos de agressões surgem a cada minuto, o que impressiona muito. Vamos combinar. As pessoas podem até não gostar do Porta dos Fundos, mas desde que surgiu leva à discussão assuntos polêmicos como machismo, racismo, LGBTfobia, política e religião, que são caros à sociedade. O bom de tudo é que os assuntos são abordados de forma pertinente, leve e, por que não lembrar, de acordo com a realidade brasileira, queira ou não, triste. E ainda teve o ataque ao prédio que abriga o estúdio do Porta dos Fundos. Dias depois, quem teve de sair pela porta dos fundos foi o rapaz que a polícia acredita ter liderado o ataque.

De que adiantou o alarde todo? Só levantou mais ainda a bola do Porta dos Fundos. Quem nunca teve o prazer de conhecer ao menos ficou curioso e foi lá conferir, aumentando a audiência da Tentação. Depois, tudo acabou no último dia 9, como em uma Quarta-feira de Cinzas. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, suspendeu decisão do desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que havia determinado a retirada do ar do vídeo especial de Natal da produtora na plataforma de streaming Netflix. “Não se descuida da relevância do respeito à fé cristã (assim como de todas as demais crenças religiosas ou a ausência dela)”, disse o ministro, acrescentando: “Não é de se supor, contudo, que uma sátira humorística tenha o condão de abalar valores da fé cristã, cuja existência retrocede há mais de dois mil anos, estando insculpida na crença da maioria dos cidadãos brasileiros”.

Pois! Como um programa de humor pode arranhar a fé de alguém? E se abalou é porque a crença não era lá muito católica. Quem reclamou da exibição do filme foi a Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, sob a alegação de ofensa à honra e à dignidade “de milhões de católicos brasileiros”.