Ao sul de Kyoto, em Fushimi, fica o Gekkeikan Okura Sake Museum. Ocupa o espaço em que foi a fábrica, fundada em 1637. Naturalmente, ali estão expostas preciosidades relativas à produção da bebida mais tradicional do Japão. Mas me chamaram a atenção algumas peças de publicidade produzidas na década de 1930. Como usual até hoje na comunicação de bebidas alcoólicas focada em homens, o protagonismo é das mulheres. Quase sempre, ilustrações de jovens devidamente paramentadas em seus quimonos, fazendo olhares lânguidos.

Um pôster, no entanto, caracterizava uma mulher em seu ambiente de trabalho, uma telefonista, igualmente deitando um olhar lânguido para o observador. Por que, me perguntei, especificamente uma telefonista? Provavelmente porque deveria ser uma profissão que provocava a imaginação masculina e atiçava certos fetiches na época – como será a mulher por trás da voz?

Outro pôster, bem mais explícito, exibia uma garota envolta em sedas, mas expondo o colo, braços, barriga e pernas. Uma pequena placa explicava que o anúncio foi banido e, por decisão oficial, jamais poderia ser exposto à luz do dia.

Faz 17 anos da minha primeira vinda ao Japão. Em 2002, fiquei chocado em ver todos os passageiros do metrô com olhos enfiados nos aparelhos celulares. Passados alguns anos, percebi que aquilo tinha sido apenas uma antecipação do que eu veria em São Paulo depois: todos os passageiros do metrô com os olhos enfiados nos aparelhos celulares. O que vejo em 2020 será também uma tendência a ser seguida por nós em breve?
Já não há tanta gente com os celulares à mão, alguns leem livros, alguns dormem, outros conversam.

O Japão sempre tem alguma coisa de Blade Runner, essa convivência estreita da tecnologia de ponta com os métodos mais tradicionais. No supermercado, a caixa já não toca em dinheiro. A máquina sobre o balcão recebe a sua nota e cospe seu troco.

A moça apenas passou as mercadorias, que você leva num cestinho a um outro balcão em que vai tratar de ajeitar na sua sacola, dispondo para isso de um rolo de sacos plásticos e um copinho com presilhas. À sua frente, cartazes preenchidos à mão e colados com durex anunciam ofertas.

No ônibus, basta haver um passageiro em pé para que o motorista assuma a função, além de dirigir, de anunciar ao microfone o que vai fazer: vou parar, vou sair, vou entrar à esquerda, vou entrar à direita… Tudo para que as pessoas que estão de pé tenham tempo de se preparar para os movimentos que o ônibus vai fazer. Ou seja, além das gravações das vozes femininas anasaladas anunciando porta abrindo, porta fechando, próxima parada, só levante depois que o ônibus parar, temos as intervenções ao vivo do motorista.

O Japão é vintage por natureza: adora uniformes, luvas, gorros e bandeirinhas, nas estações de trem, na recepção dos shoppings, nos cruzamentos, sinalizando o tráfego, nos passeios de crianças escolares. É uma viagem no tempo. A impressão que fica é que, para os japoneses, o avanço tecnológico não significa renunciar às tradições que julgam confortáveis e necessárias. Ou seja, demonstram sabedoria para somar sem anular, harmonizar em vez de polarizar.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)