Nunca se latiu tanto

Desde criança, fui educado a me interessar por política. Nos anos 1960, sintonizava, pelas ondas curtas do rádio Semp da minha avó, as emissoras que propagavam sistemas antagônicos, pelo mundo.

Em português, chegavam a norte-americana Voz da América, a rádio China Internacional, a rádio Moscou e a BBC, de Londres. Eram especialistas em difundir doutrinas, à esquerda e à direita. Vivíamos a guerra fria, uma guerra de informações, principalmente.

No Brasil, sob ditadura e censura à imprensa, foi pela BBC, por exemplo, que fiquei sabendo, em primeira mão, da morte do ex-presidente Castello Branco, num acidente aéreo suspeito. Quando o mundo entrou em distensão, e a liberdade de expressão voltou, abandonei as ondas curtas.

Hoje, com o advento da internet, o acesso à informação, apesar de todo o seu cipoal de interesses, ficou relativamente franco. O que percebo, de uns anos para cá, pelo dinamismo que os novos meios permitem, é a substituição da formalidade e da elegância por uma urgência deselegante e malcriada.

A serenidade, o equilíbrio e à sujeição aos rituais do poder e da diplomacia foram abandonados e substituídos pelos “latidos”, em nome dos governos e das nações.

Durante o governo Bolsonaro, o presidente reunia, diariamente, fieis seguidores num cercadinho, e ali vociferava o que bem entendia contra seus desafetos, falava barbaridades e ainda atiçava seus fãs contra repórteres que estivessem por perto. Veio Lula e os latidos continuaram, agora, naturalmente com outros objetivos, mas com pontos de confluência, na forma e no conteúdo. No Poder Legislativo, os latidos, de lá e cá, se repetem cotidianamente, cada vez mais raivosos. Pelo mundo, latem todos. De Putin a Milei; de Macron a Netanahyu; de Trump a Zelensky; de Maduro a Orban. Quem late mais grosso e mais alto consegue impressionar mais. Putin não apenas latiu, como mordeu e arrancou um pedaço da Ucrânia. Trump ameaça morder e engolir o Canal do Panamá, o Canadá e a Groenlândia.

Netanahyu, para vingar-se do Hamas, que mordeu e engoliu 1.200 cidadãos israelenses, já mordeu e engoliu uns 50.000 palestinos. Maduro latiu e ameaça morder e engolir um pedaço da Guiana.

Cada dia, os latidos pelo mundo carregam mais ameaças de mordidas. A mídia, sem alternativa, vive de reproduzir latidos e mordidas em seus noticiários.

Num dia, informa que alguém latiu mais forte; no outro, que o latido teve outros latidos como resposta. Estamos formando uma geração que vai ter muita dificuldade para compreender os ritos que regiam a política e a diplomacia. O que diriam Churchill ou Truman ou mesmo Stalin, diante disso? Talvez se perguntassem onde foram parar os estadistas.

Se observarmos bem, vamos ver que as notícias de política internacional estão cada vez mais parecidas com as do noticiário policial, não apenas pelos crimes que trazem, mas pelo padrão de linguagem dos principais personagens. Parece que o conceito de civilização vai se perdendo.

O curioso é que isso não significa, necessariamente, que estamos às vésperas de uma terceira guerra mundial, agora atômica, e de consequência inimagináveis. Significa, acima de tudo, que o nível dos políticos nunca esteve tão baixo, em tantos lugares, ao mesmo tempo. Ou seja, vivemos uma espécie de era da mediocridade política.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com