O Cenp tergiversou
Em evento hoje ao mercado publicitário – na verdade ao topo da pirâmide deste mercado -, o Cenp hesitou e de novo perdeu a oportunidade de resgatar sua relevância de outrora.
Se o Cenp existe para a defesa da atividade publicitária e se a publicidade é, como gosta sempre de enfatizar seu presidente Luiz Lara, a indústria que movimenta as demais indústrias, deveria, antes de tudo, cuidar da saúde financeira das empresas que formam uma imensa cadeia produtiva em todo o território nacional.
Como este jornal antecipou em matéria da jornalista Janaina Langsdorff de 30 de setembro deste ano, não raro os pagamentos às agências de publicidade e às demais empresas que compõem o mercado publicitário, como produtoras, chegam a ser feitos em 120 dias após a execução dos serviços.
Há relatos de pagamentos em 180 dias. A praxe do mercado é o pagamento em 30 e 60 dias após a entrega dos serviços que, se demorarem um mês para serem executados, o fornecedor receberá consequentemente em 60 e 90 dias, isto é, metade em dois meses e a outra metade após 3 meses de ter iniciado seus trabalhos.
Num país em constantes crises econômicas, o fornecedor de serviços não pode esmurrar a mesa e exigir prazos mais dignos de pagamento sob pena de perder o cliente, o que em muitos casos seria o fechamento da sua empresa.
Em outros tempos, eram os fornecedores de serviços, dentre eles as empresas do mercado publicitário, que ditavam o prazo de pagamento. Essa decisão foi aos poucos passando para as mãos dos departamentos de compra dos anunciantes e hoje ninguém mais pode discutir nada a respeito disso.
É pegar ou largar.
E é por isso que o mercado ansiava por uma resposta da entidade que é ou deveria ser uma espécie de OAB do mercado publicitário no que tange à defesa da atividade profissional.
Mas o que se viu foi para lá de decepcionante: “Uma vez que os diversos compromissos das empresas têm vencimentos mensais, recomenda-se que os pagamentos de fornecedores e parceiros sejam realizados o mais próximo possível desse período, após o término do serviço prestado, evitando-se assim prazos elevados e nocivos para a sustentabilidade financeira de todo o ecossistema.”
Tudo bem que as diretrizes do Cenp não têm força de Lei, portanto seu comunicado acima não poderia ter obrigado pagamentos em prazos mais curtos. Mas “recomendar” é muito pouco ou quase nada para quem quer enfrentar o problema de frente.
Inexiste qualquer desfecho indesejável a quem não seguir uma recomendação de uma entidade. Quem recomenda não está sendo enfático e revela quase que um pedido de favor para que as pessoas sigam sua recomendação.
Este trecho acima do comunicado do Cenp deveria ter sido mandamental. Os prazos de pagamento devem ser de no máximo X dias contados do término da execução dos serviços.
Ninguém estaria obrigado a cumprir o prazo de pagamento definido pelo Cenp, pois, conforme já exposto, uma diretriz do Cenp não tem força de Lei. Mas poderia vir a ter a depender da vontade política dos seus pares.
Mas ainda que não tenha força de Lei, uma definição do Cenp serviria muito bem ao mercado para ajudar a ao menos inibir a prática malandra criada por empresas gigantes de pagar seus fornecedores em quatro ou até seis meses da emissão da fatura.
Para piorar, não definiu prazo algum. Falou, falou e não cravou nenhum prazo de pagamento como recomendável. Ficou até confuso. Deu a entender, mas sem deixar claro, que o prazo recomendável seria “o mais próximo possível” de 30 dias após o término dos serviços.
Quem define o que vai ser “o mais próximo possível”? Obviamente que será o cliente, que bastará alegar ao seu fornecedor que o prazo mais próximo possível é de tantos dias e não se fala mais nisso.
Note que o “mais próximo possível” é arma perfeita aos anunciantes. Eles sim vão usar a favor deles este comunicado do Cenp. Se o cliente alegar ser impossível pagar em X dias, o fornecedor nada poderá fazer, já que a entidade que existe para lhe defender deu ao seu cliente o aval para pagar...quando for possível.
Tenho para mim que dirigentes de entidades como o Cenp deveriam ser pessoas de fora das agências de publicidade, a fim de que pudessem enfrentar temas conflitantes como este sem se preocupar com o que vão pensar os executivos das empresas que suas agências atendem.
Tiago Ferrentini é diretor-executivo do propmark