O encanto por criar e a presidência

Durante 40 anos, exerci, regularmente, a profissão de redator publicitário. A partir daí, trabalho, eventualmente, como frila. Foram anos muito felizes, em que pesem os perrengues próprios de qualquer profissão, que se exerça por quatro décadas. Mas o que eu quero dividir aqui não são os problemas, as frustrações, as decepções, as traições, nada disso.

Quero dividir o encanto de acordar todos os dias, sentindo pulsar a vontade de criar. Chegar à mesa de trabalho, curioso com os jobs que estarão sobre ela, aguardando soluções geradas pelos insights da sua mente.

Não sei se consigo transmitir o significado disso, essa ansiosa expectativa de ler um pedido de criação, para acionar a “maquininha” íntima. Sempre fui um apaixonado pelo que fazia, talvez porque tivesse consciência absoluta do significado do que fazia.

Quantas pessoas no mundo são as escolhidas para colocar em prática, como profissão remunerada, o seu dom de criar? Ou seja, para fazerem coisas que não estão previstas!

O presidente da empresa pode ter chegado à presidência, por competência – seguindo adequadamente os padrões exigidos pela empresa –, por conveniência – atendendo a interesses de seus superiores –, por esperteza – demonstrando cintura para lidar com as circunstâncias e sabendo agradar a quem deve agradar –, por influência – indicado e recomendado por gente poderosa –, por esforço – através de uma dedicação incondicional ao negócio.

Um criativo também pode chegar à presidência de uma agência, claro, e muitos chegaram, com os devidos méritos. Mas o criativo genuíno, a manter acesa a chama que o motiva a fazer o que faz e apenas a fazer o que faz, talvez não alcance essa “glória”, ambicionada por tantos. Porque ele já é o presidente de cada job em que trabalha todos os dias. Nesse momento, ninguém é mais presidente da agência do que ele.

E aqui vale registrar para a posteridade, o nome de um cara que sacou isso, o Waltely Longo, um facilitador da missão dos criativos. Não conheço o Waltely pessoalmente. A única vez em que nos comunicamos foi quando escrevi um artigo, inspirado numa entrevista que ele tinha dado, se não me engano na extinta Gazeta Mercantil, cujo título era Presidentes, e ele me mandou um e-mail simpático.

No artigo, eu saudava que, enfim, um presidente de agência, não provindo da criação, conseguia compreender a engrenagem que o fazia presidente. Infelizmente, a imensa maioria dos presidentes acredita, piamente, que é presidente por ser a peça mais importante daquela engrenagem, quando só é presidente porque alguém precisa ser presidente.

Como os outros têm mais o que fazer, o presidente é ele. Não é por coincidência que um presidente costuma ser, em primeiro lugar, encantado consigo na presidência.

Aos criativos genuínos, ainda que vaidosos, egocêntricos e de gostarem de ganhar uma boa grana, organogramas são bobagens. Não costumam se agarrar neles para garantir seus direitos e poderes. Continuam acreditando e exercendo aquilo que, de fato, faz a diferença: a capacidade de criar. Mais do que a capacidade, a necessidade de criar, o encanto por criar.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com