O grande negócio da mentira
Nunca houve tantas oportunidades de trabalho para talentos criativos na comunicação. Não, não estou falando de agências de publicidade, negócio muito pequeno, de alcance curto e objetivos medíocres. Estou falando da ocupação cultural, política e territorial do planeta. Estou falando de propaganda, na mais clássica das suas definições.
A propaganda como arma de tomada de poder, através da imposição de ideias, disfarçada de informação. A propaganda que cria versões para os fatos, que interpreta os acontecimentos à vontade de quem a contrata, que comove e mobiliza, através da colocação em prática de um plano de doutrinação e submissão.
Diante de telas, milhões de indivíduos espalhados pelo mundo usam suas habilidades retóricas e sua capacidade inventiva para distorcer a verdade, a serviço de potências econômicas e bélicas.
Trabalho legal e bem remunerado. No Brasil, os interesses internacionais se ramificam nas disputas políticas internas, reflexos diretos de objetivos externos. O mundo está preso a um esquema de polarização entre forças poderosíssimas de persuasão.
Não é diferente por aqui. Além de se combaterem diretamente, essas forças têm também inimigos comuns, aos quais combatem solidariamente: a verdade, a independência, a reflexão, o conhecimento, a ciência...
A inexpressividade do não-alinhamento no cenário eleitoral é parte do sucesso do processo permanente de alienação da população, alimentado com eficácia por especialistas. E os talentos não se têm feito de rogados em cumprir esse papel. Apesar do atropelo da ética, o fato é que não sobra muita coisa para fazer, hoje em dia.
Esse jogo é global e por demais pesado para ser confrontado, a não ser por heróis, quase sempre voluntários e, com raras exceções, abatidos pelo caminho. Afinal, estamos falando de mercado e o mercado vive de ocasiões e oportunidades.
E, sempre é bom lembrar, o mercado não é uma entidade fora do ser humano, mas o próprio ser humano em ação e intenção.
A polarização na disputa pelo poder, por mais danosa para a verdade, é, ao mesmo tempo, uma grande e sofisticada empregadora das mentes privilegiadas e, digamos, moralmente céticas.
É, ainda, a maior consumidora de ferramental tecnológico da atualidade. Não há, portanto, clientes mais promissores para profissionais e fornecedores do que os dois lados dessa disputa.
Vale registrar que, ironicamente, a grande “responsável” por esses métodos enviesados de tomada de poder é a democracia.
Uns e outros, simultaneamente, se fiscalizam e, eventualmente, se acusam, de quebrarem padrões democráticos, clamando a intervenção de organismos reguladores internacionais.
Claro que há exceções, como no caso de Putin na Ucrânia ou Netanyahu em Gaza, por exemplo, ou ditaduras remanescentes que sobrevivem pelo mundo, cujas ações de subjugação vão muito além da comunicação.
Mas que até por isso são também necessariamente usuários do talento criativo de bons profissionais de comunicação para justificarem seus comportamentos. Enfim, bons tempos em que o nosso maior “crime” era anunciar cigarros.
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com