O lado “S” do Cannes Lions
Depois de dois anos sem realização presencial, o Cannes Lions voltou a movimentar o Palais des Festivals com premiações, palestras e outras atividades do mundo da criatividade.
Quem esteve presente não cansa de manifestar o prazer de reencontrar colegas e da oportunidade de conhecer criativos do mundo inteiro, tendo como moldura a bela Riviera Francesa.
Além do rico conteúdo e das premiações, esse lado social do networking foi sempre uma justificativa forte para estar presente no maior festival de criatividade do mundo. Ainda mais agora, que é possível acompanhar o festival remotamente.
Mas teve uma outra faceta do “social” que dominou o Cannes Lions este ano. Foi o S, do ESG, que prevaleceu no festival nesta edição de 2022. Na composição do acrônimo ESG, S representa o social, no sentido da atenção às pessoas, da responsabilidade social, da diversidade, inclusão e equidade.
Embora os aspectos ambientas (o E de ESG) tenham sido apontados como os mais importantes na pesquisa prévia feita pelo festival, o lado S, de social, foi, de longe, o mais presente nas discussões e na premiação.
Das 31 categorias, 28 tiveram Grand Prix com uma pegada ESG. Nada menos do que 90% dos premiados com Grand Prix.
Desses, 25 tiveram uma abordagem Social, 80% do total de Grand Prix. Ou seja, oito em cada dez Grand Prix se valeram do lado social, humanitário para construir seus cases.
O lado E, ambiental, esteve presente em apenas cinco cases vencedores de Grand Prix. Um deles foi ganhador de dois Grand Prix, em Industry Craft e Media. Foi o case Hope Reef, da Mars, por meio do seu produto Sheba, uma ração para gatos feita de peixe.
O case, desenvolvido pela agência AMV BBDO, de Londres, foi baseado na recuperação de corais na Indonésia (com extensão para outros países). O que tornou o case excepcional foi a estrutura grandiosa utilizada para a recuperação dos corais, formando a palavra Hope no fundo do mar, de tal modo que pode ser vista do alto, pelo Google Earth.
Um belíssimo exemplo de como uma empresa pode contribuir com o meio ambiente e ter a devida visibilidade. Vale ressaltar também o belíssimo case Jatobá Refugiado, da agência Africa, também com uma pegada ambiental, que ganhou Ouro este ano. Mas estes foram apenas alguns dos poucos premiados com causa ambiental.
Os dois cases mais premiados com Grand Prix adotaram mesmo a causa social. O destaque ficou com o Data Tienda, da fintech WeCapital, case desenvolvido pela agência DDB Mexico.
Vencedor de Grand Prix em três categorias (Creative Data, Glass e SDGs) o case, apesar de ganhar na categoria de uso criativo de dados, se baseou numa característica totalmente analógica do comércio de vizinhança da cidade do México: o uso das prosaicas cadernetas, onde são marcadas as compras do mês de donas de casa.
Quem já morou no interior, como eu, deve se lembrar das cadernetas do açougue, da padaria, da quitanda, onde as compras do dia a dia são marcadas. No fim do mês, as compras são quitadas.
Não sei se ainda existem no Brasil, mas no México, sim. E foi com dados dessas cadernetas que a instituição financeira WeCapital analisou o histórico de donas de casas, concedendo crédito a desbancarizadas.
Ou seja, num mundo assolado por meios de pagamentos via celular, Pix e maquininhas, o que prevaleceu foram os garranchos dos pequemos comerciantes, nas suas cadernetas de fiado, para garantir crédito a donas de casa mexicanas.
Esse é o nosso mundo de contrastes, onde vencem os que praticam uma empatia mais apurada, que conseguem enxergar formas de atender às necessidades das pessoas, sejam elas de qualquer natureza. É o lado social dos negócios, conquistando mercado e merecidos prêmios.
Alexis Thuller Pagliarini é sócio-fundador da ESG4
alexis@criativista.com.br