O Natal tapa-buraco da Coca-Cola

Se a desgraça da imposição da IA na publicidade precisava de um ícone relevante, acabou de ganhar um, com a exibição do comercial de Natal da Coca-Cola. Começando pelo significado histórico da marca, um dos maiores anunciantes de todos os tempos, no mundo inteiro.

E, ainda, por se tratar de um produto que ganhou apelo e significado para ser consumido, fundamentalmente em função da qualidade do seu marketing e da sua publicidade.

Ou seja, o marketing e a publicidade, usados com zelo absoluto, em mais de 130 anos, se tornaram alguns de seus “ingredientes” mais valorosos e apreciados.

Por isso, é espantoso que a Coca-Cola tenha se rendido a esse padrão de mediocridade técnica e narrativa jamais vistos antes.

Espantoso, naturalmente, para os admiradores do histórico da construção da marca, sustentado, inclusive, por uma respeitosa conexão cultural com os países em que suas mensagens foram exibidas.

A mudança radical de atitude terá sido previsível, porém, para quem vê na IA a solução para desafios clássicos da publicidade, como o atendimento de prazos e a otimização de custos.

O comercial da Coca-Cola para o Natal de 2025 entra para a história como um “clássico” a ilustrar o momento sombrio para a criação e para a realização de ideias. Um exemplo (mal) acabado de como a ideia e o esmero perderam relevância, para atender demandas que dissociam os negócios de suas marcas.

Afinal, onde não estão presentes a ideia e o esmero, tudo fica mais fácil e barato, já que não sobra nada que justifique uma defesa verdadeiramente apaixonada.

A consequência é essa gigantesca falha narrativa, o vazio emocional que ela provoca, essa sensação de que ninguém, em momento algum, se perguntou o que sempre fez de um filme da Coca-Cola, um filme da Coca-Cola: mensagens emocionantes, sempre recebidas com encantamento e capazes de atravessar gerações.

O comercial de 2025, ao contrário, simplesmente passa, como passam coisas feitas para cumprir tabela, produtos de surtos de impaciência, como se alguém tivesse apertado “gerar” e se contentado com o primeiro resultado oferecido.

Criada para acelerar processos, parece que a IA está sendo utilizada mesmo é para acelerar a desistência de pensar, pois a desistência criativa é evidente na peça.

O comercial revela, de forma quase involuntária, o maior risco da adoção irrefletida da IA: o risco de substituir o sentido pela aparência, a emoção pelo protocolo, o encanto pelo atalho.  

O que fica, depois que o filme acaba, é a impressão de que a Coca-Cola, essa grande contadora de histórias, essa grande coreógrafa de Natais, entregou sua mais importante expressão institucional ao piloto automático.

E o piloto automático criou um comercial “tapa-buraco”, absolutamente sem alma. Se o Natal da Coca-Cola deixa de ter alma, sobra o quê? Sobra exatamente isso: um filme que, pretendendo anunciar a chegada da magia, anuncia, sem querer, apenas uma frustrante frieza algorítmica. Tão fria quanto a neve incompatível com um país tropical, que as imagens tentam nos impor.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com