O negócio da liberdade de expressão
Estou lendo Liberdade de Imprensa, coletânea de artigos de Karl Marx, produzidos entre 1842 e 1860. Num deles, escrito quando Marx tinha pouco mais de 20 anos, dei de cara com uma sentença absolutamente genial: “Ninguém é contra a liberdade de imprensa; no máximo, somos contra a liberdade de imprensa dos outros”.
Nada mais atual, nada mais perene. Se tem uma questão que deveria merecer uma profunda reflexão da sociedade é a liberdade de expressão.
Não para que cheguemos todos à conclusão democrática de que a liberdade de expressão é imprescindível à sobrevivência da democracia. Mas para que exprimamos corajosamente sua eventual nocividade à democracia.
Em outro momento, Karl Marx toca na ferida aberta pelos discursos de conveniência de quem está no poder, não necessariamente para condenar a censura, mas para, quem sabe, justificá-la, através de um questionamento-chave: “Perguntamos se a liberdade de imprensa é o privilégio dos indivíduos ou se é o privilégio do espírito humano”.
A internet teve o mérito de escancarar cruel e dolorosamente o mais amplo significado de liberdade de expressão. Nunca os indivíduos tiveram tanta liberdade e tanto poder para se expressar. Nunca houve tamanho espaço para a profusão de ideias, sem nenhum filtro ou precaução com as consequências.
O mundo vive, hoje, provavelmente, a maior desorganização intelectual da história. A polarização irracional é sintomática, numa sociedade em que a inteligência da grande maioria vaga à deriva da falta de fundamentos filosóficos que sustentem algum tipo de confiança. Em vez de elevarmos a capacidade de pensar e, assim, forjarmos uma sociedade criteriosa, rebaixamos o que ser pensado, com o triste fim de engajar. Ninguém mais se ocupa em explicar ou compreender por que as coisas são como são, mas apenas em manter ou mudar as coisas, de acordo com sua conveniência objetiva e imediata.
Nega-se a causalidade, para que cada um atribua a causa que quiser para justificar o seu apoio ou a sua oposição às circunstâncias. É esse “excesso” de liberdade ou essa liberdade delinquente de expressão quem está matando a democracia.
Julgar-se de direita ou de esquerda já não encontra mais o mínimo estofo de um ideário. São nomenclaturas que abrigam ignorâncias diversas, interesses parcos para a maioria, potenciais de negócios para alguns, oportunidades de carreirismo político para outros. E dê-lhe liberdade de expressão! E dê-lhe discursos inflamados contra a “censura”!
Lula tentou, Bolsonaro tentou, nenhum conseguiu o controle da mídia, fosse através da mobilização popular, fosse através da sufocação econômica. A solução democrática tem sido replicar o modelo norte-americano de estimular a exploração de nichos, por veículos de comunicação oponentes.
Um desastre para a verdade. Pesquisa realizada no Estados Unidos alguns anos atrás revelou que mais de 90% dos assinantes da Fox votam nos republicanos e mais de 90% dos assinantes do New York Times votam nos democratas. Isso não é democracia. Parece, na verdade, um grande negócio compartilhado.
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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