A chegada de Bolsonaro ao poder trouxe à tiracolo uma turma de “narradores” com a cabeça feita por pensadores conservadores norte-americanos. A coisa ganha um ar de novidade porque, em tese, fazia tempo que o Brasil não experimentava ler e ouvir um discurso radical de direita, assim escancarado.

Antes, manifestações desse padrão ficavam restritas a ambientes como a organização ultradireitista Tradição, Família e Propriedade ou eram expressadas na voz de algum general da reserva no ambiente do Clube Militar. Mesmo no período ditatorial, o que vivenciei, o governo agia de modo mais pragmático, dando pouca atenção às questões filosóficas.

Havia a consciência de que, num país de analfabetos e semianalfabetos em maioria, era inútil tentar conquistar as massas através de iniciativas que exigissem leitura ou capacidade de reflexão sobre fatos históricos. Estudei sempre em escolas públicas e não me lembro de, mesmo nas aulas de Moral e Cívica, perceber alguma coisa que remetesse à doutrinação política.

O mais parecido com isso seriam as aulas de música, dedicadas ao aprendizado e interpretação de nossos diversos hinos. Até hoje sei de cor, além do Nacional, o da Bandeira, o da Independência, o dos Estudantes… O que, aliás, nunca me fez desejar ser de direita.

Observando aquela época, na perspectiva de como age a direita hoje, percebo que os militares que assumiram o poder em 1964 focavam em questões objetivas, como defenestrar dos poderes e dos órgãos públicos, prender, torturar e até matar os envolvidos com uma “ameaça comunista”. Ponto. Fumar maconha era muito menos tenso do que, digamos, é no governo Witzel. Havia, sim, uma censura implacável da mídia. Porque era um regime para “não deixar fazer a cabeça”.

Os discursos das autoridades governamentais eram simplórios e os pensadores de direita repercutiam muito menos que os de esquerda, que nos chegavam em publicações clandestinas.

Com a volta da democracia, a direita mais radical, que nunca mereceu maior obediência, exceto quando se impunha pelas armas, caiu nos ostracismo. Bolsonaro desenterrou esse povo, não sei se meio sem querer, pois não me parece que aquela cachola reúna fundamentos suficientes para sustentar o que se poderia chamar de ideologia. Mas, enfim, em nome outra vez de dar fim à “ameaça comunista”, as porteiras foram abertas.

Agora, sem tanques e melhor forjados numa retórica mais organizada, ultradireitistas pretendem cumprir a missão inédita de “fazer a cabeça” dos brasileiros, através de “narrativas”.

O mercado se organiza para isso. Nos Estados Unidos, a Fox fez um império no ramo, ao assumir indisfarçavelmente o lado republicano no posicionamento político. Por aqui, a Rede Record, depois de investir muito tempo e dinheiro na busca de um enfrentamento à liderança da Globo, com poucos resultados, ganha um espaço para apostar suas melhores fichas: as “narrativas” do governo Bolsonaro.

Sem a consistência histórica do pensamento republicano norte-americano, pode ser um negócio efêmero. Mas, enfim, não deixa de ser um cavalo encilhado.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)