O novo que mora no ordinário

Por mais que a gente se proponha a ser muito organizado, chega uma hora em que é impossível separar o pessoal do profissional. Pelo menos, trabalhando com criação e publicidade, em algum momento, as coisas se misturam.

Pois bem, no mês passado tive de preparar um workshop de criação. A ideia era que o cliente participasse da rodada de brainstorm com a equipe da agência. E aí, sem nem tentar disfarçar muito que era uma receita caseira, propus o seguinte na metodologia: “agora explique isso para uma criança de cinco anos”. E o que isso quer dizer? É certo pressupor que nossos clientes têm a mentalidade de uma criança?

Não, nada disso. Eu acho que uma criança nos obriga a ser objetivos, curtos, simples e interessantes. E é assim que eu realmente acredito que comunicação e publicidade precisam ser.

O que isso tem a ver com vidas pessoal e profissional se misturando?

Bom, em março de 2016 me tornei mãe. E este evento simplesmente apagou a pessoa que eu era antes. Consequentemente, também apagou a profissional.
Teve uma ruptura prática, real e oficial mesmo. Dei uma pausa. Se eu fosse rica, diria até que tirei um ano sabático. Eu decidi não voltar da licença maternidade, tanto para me dedicar integralmente àquele novo job desafiador quanto, consequentemente, para repensar o que de fato eu queria para mim como profissional.

Fiz cursos. Vi palestras. Andei ao ar livre. Aprendi (naquelas) a cozinhar. Arrumei portfólio. Atualizei o LinkedIn. Montei a minha empresa. Fiz freelas para clientes muuuuito diferentes, sendo meu o atendimento e o planejamento. Recusei jobs que não me trariam mais do que dinheiro (é libertador como parece!). Comecei a sentir saudades de tudo e voltei a trabalhar em agência.

Talvez porque, no fundo (mesmo que hoje não pareça tão legal dizer isso), eu ainda tenho aquele encantamento por fazer com que uma mensagem de fato cumpra
o seu papel e chegue ao outro lado. Bem acadêmica, né? Mas, sim, sou da geração que nasceu nos anos 1980 e viveu infância mais adolescência cantarolando jingles.

Ou seja, a publicidade fazia parte da vida das pessoas - e da minha - com suas expressões e rotinas.

Naquela época, publicidade era basicamente sobre ter ideias, acreditam? Hoje é muito mais sobre encontrar formas de combinar todos os mil recursos, informações e tecnologias que temos para chegar a algo de fato interessante. E que, da mesma forma, engaje, pule essa barreira do que é publicidade e o que é vida real.

E é por isso que eu acredito tanto na vida real. Em olhar para fora da bolha, observar novas dinâmicas espontâneas surgindo. Assim como quando a gente vê uma criança se tornar cada vez mais incrível e ultrainteligente a cada dia.
Pra mim, a inspiração mora no ordinário. Mais precisamente em revisitar > repensar > reorganizar > reinventar o ordinário. A redescoberta é ouro, traz o novo para aquilo que em teoria já conhecemos. Mas que já virou paisagem.

É por isso que a música que toca sempre no rádio quando você está voltando pra casa lhe faz lembrar daquele dia em 2007 em que você estava rindo muito no bar. É por isso que todo pastel na feira é mais gostoso do que o que a gente compra lá e come em casa. Por isso que, mesmo com a imensidão que é o catálogo de todos os serviços de streaming juntos, a gente insiste em parar para ver As Branquelas, que começou meia hora atrás no canal aberto.

É por isso que, mesmo que todo ano tenha Natal, todo ano a gente aceita o desafio de criar algo novo. E se diverte com isso como uma criança de cinco anos, sem precisar de explicação.

Maria Lígia Monteiro é diretora de criação da KTBO