O problema é que não vamos morrer
Esses dias falei a frase do título desse artigo em uma conversa e acho que choquei um pouco o interlocutor. Com certeza o objetivo inicial não era esse, mas ao perceber o impacto que causou nele, comecei a usar a frase com mais frequência porque percebi que ela carrega um choque de realidade que poucas pessoas têm sobre o envelhecer.
Com a divulgação recente das novas projeções para a evolução da população brasileira, dessa vez até 2070, feita pelo IBGE, notei um aumento significativo da pauta nas mídias tradicionais: matérias em jornais, podcasts, artigos de opinião e muito mais. O que de fato mostra a importância e relevância do tema e que já estamos bem atrasados para olhar para esse movimento e como já perdemos o bônus demográfico como explica José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia, na entrevista concedida ao podcast "O Assunto"
A mudança demográfica que estamos vivendo é reflexo de duas realidades: a redução das taxas de natalidade e o aumento da expectativa de vida dos brasileiros. Em 1960, a média de filhos era de 6 por mulher, hoje é de 1,57. Já sobre a expectativa de vida, já estamos próximos dos 77 anos. Quando falamos de mulher, esse número pode ser de até 7 anos a mais. Tudo isso faz com que o Brasil dobre o número de idosos (60+) de 10% para 20% em 19 anos (de 2011 a 2030). Para alcançar esses mesmos números, a França demorou 145 anos.
E por que ainda vivemos um movimento de invisibilizar as pessoas a partir dos 50 anos? No trabalho, na sociedade, na publicidade? Hoje, no Brasil já temos mais pessoas com 50 anos ou mais do que jovens com 19 anos ou menos, essas pessoas estão economicamente ativas, com um alto poder de consumo e super produtivas para trabalho, viagens e lazer. Ainda assim, 64% das mulheres entre 50 e 59 anos dizem ter dificuldade de ser contratada e de passar em processos seletivos, segundo o estudo "Cinquenta e nada mais", realizado pela Amarelo.
Segundo pesquisa realizada pela Ernst & Young e a Maturi com cerca de 200 empresas no Brasil, as empresas possuem entre 6% e 10% de pessoas acima de 50 anos no quadro de funcionários. Quando olhamos especificamente para agências de publicidade, esse número é de 5%, segundo o Censo da Diversidade das Agências Brasileiras 2023 realizado pelo Observatório da Diversidade na Propaganda (ODP). Ainda segundo o estudo da Ernst & Young, 78% das empresas se consideram etaristas e têm barreiras reais para contratação de trabalhadores nessa faixa etária.
Esse movimento das empresas de não contratar pessoas a partir dos 50 anos e também de expurgá-las, chegando até a estimular uma aposentadoria é algo que só vai trazer mais dificuldade para as próprias empresas nos próximos anos. Em 2060, mais de 50% da população brasileira terá 50 anos ou mais. Ou seja, são essas pessoas que estarão trabalhando e fazendo a economia girar. Porém, para que em 2060 a gente esteja a pleno vapor, é importante que as mudanças nas empresas comecem a acontecer desde já. É urgente olhar para a diversidade etária como uma prioridade e incluir a interseccionalidade das diversidades a partir daí, afinal o envelhecimento é para todos e é ainda mais difícil quando falamos de pessoas pretas, pessoas trans e mulheres.
Mas vale lembrar que não é sobre contratar ou não demitir essas pessoas. É sobre como transformar o ambiente de trabalho em um espaço multigeracional de estímulo de troca e de aprendizado contínuos. Além disso, é importante repensar modelos de trabalho e benefícios que não são ou deveriam ser os mesmos para todas as pessoas. Modelo de trabalho as a service tem sido uma tendência forte para os profissionais 50+ em outros países e as empresas deveriam começar a olhar com bastante atenção para essa tendência.
Outro dado do Censo que me chamou bastante a atenção foi o número de pessoas com 90 anos ou mais em 2070: serão mais de 5,5MM sendo que dessas, 3,6MM serão mulheres. Hoje, temos cerca de 700 mil pessoas nessa faixa etária no Brasil. Ou seja, estamos falando de um crescimento de 785% dessa população. Um fato interessante que talvez você ainda não tenha pensado é: Quem serão essas pessoas com 90 anos ou mais em 2070?
Sim, seremos nós, pessoas que hoje tem 44 anos ou mais, muitas das pessoas que estão lendo esse artigo. Se tudo der certo, eu serei uma dessas 3,6MM de mulheres em 2070 e eu adoraria, no auge dos meus 93 anos, escrever um artigo sobre tudo o que aconteceu de hoje até lá.
Estamos falando de mais de 45 anos pela frente, metade da vida dessas pessoas. É necessário refletir sobre o que precisamos para viver esses próximos 45 anos. Precisamos de renda, de trabalho, de saúde, de autonomia, de lazer, de viagens, de uma boa alimentação. Só que tudo isso precisa começar a ser mudado e pensado agora. Não dá para esperar chegar 2060 para pensarmos sobre o envelhecer. E esse pensamento tem que ser tanto no âmbito pessoal, tomando consciência sobre o nosso corpo e a nossa saúde, nossas finanças e nossa autonomia no geral, como no âmbito profissional, seja como empresários ou colaboradores, precisamos levar essa conversa para a pauta das empresas, e todos os tipos de empresas.
É natural que quando se fala em envelhecer, o pensamento vai direto para as questões de saúde. Claro que a saúde é um tema muito importante, mas não é o único. O envelhecer não significa só doença e debilitação, ele é muito mais potente do que isso e quando entendermos isso, a tendência é o etarismo diminuir.
O que as agências de turismo, os hotéis, os resorts estão fazendo para receber essa demanda de um público mais velho?
Como os teatros, restaurantes, cinemas também estão se preparando?
E as moradias? Por que é que as construtoras ainda não começaram a construir condomínios focados no público 60+ onde essas pessoas possam viver em comunidade e não isoladas em casa?
As marcas e a publicidade também têm um papel muito importante nessa mudança de visão sobre o envelhecer. Como e quando usamos as pessoas na comunicação? Por que só usamos pessoas 60+ em campanhas de creme para ruga, fraldas geriátricas e suplementos alimentares? Segundo a Data8, 70% dos criativos de agências de publicidade nunca receberam um briefing onde o público-alvo tinha mais de 50 anos.
O pensar a longevidade precisa ser amplo e não estereotipado, precisa estar em todas as camadas da sociedade, seja nas políticas públicas e nas instituições privadas. Ouso dizer que as grandes empresas deveriam ter uma área ou uma pessoa que olhasse para o desenvolvimento do negócio a partir das tendências demográficas do país.
Está na hora de parar de pensar na morte e pensar na nossa não morte!
Lara Magalhães é sócia e fundadora do Coletivo 45+