A primeira roda-gigante deste novo milênio mudou de mãos. Semanas atrás comentei aqui com vocês neste cinquentenário PROPMARK sobre a primeira da nova geração de rodas-gigantes. A que foi planejada para marcar a virada do milênio. E trouxe o assunto porque o Rio de Janeiro também ganhou sua roda-gigante. 88 metros de altura e na zona portuária. Expectativa de um milhão de visitantes a cada ano. Provisoriamente parada esperando o vírus partir ou a vacina chegar.

No mês de junho de 2019, a fundação familiar dinamarquesa Kirkbi, mais conhecida por ser a proprietária da Lego, anunciou ter adquirido o controle da Merlin Entertainment, por US$ 7,5 bilhões, responsável e dona de muitas e importantes atrações turísticas, como os museus de cera Madame Trussauds e a London Eye, a roda-gigante que nasceu para ser comemorativa da chegada do novo milênio e, poucos anos depois, foi desmontada.

Institucionalizou-se, virou definitiva, e deu origem a uma série de rodas-gigantes pelo mundo, que alcançará seu ápice não mais agora em 2020 – foi adiada –, no dia 1 de outubro de 2021, com a inauguração da Ain Dubai (olho), O Olho de Dubai, com 201 metros de altura, por ocasião da abertura da Feira Mundial. A Kirkbi é a fundação da família de Kirk Kristiansen, neto do criador da Lego. Mas, a responsável pela recuperação da empresa, e sua expansão mundial, foi a decisão da empresa de contratar um consultor externo, Jorgen Vig Knudstorp, e, meses depois, convertê-lo em CEO.

Para colocar em prática o que recomendou em seu diagnóstico e planejamento estratégico para 7 anos, diante da falência eminente: “Back to the Basic”. Resgatar, o foco, urgente. Respeitar o DNA. E mergulhar de cabeça. Jamais parar de ir cada vez mais fundo. “Voltar às origens, para retomar o caminho do crescimento e da prosperidade”. O ano era 2003, com dívidas de quase US$ 1 bilhão sem a menor perspectiva de pagamento. Quando escancarou a situação dramática da empresa ao conselho da família ouviu comentários como: “não concordamos, vocês está completamente equivocado, suas previsões quanto ao futuro estão erradas”. Jorgen guardou seus papéis e anotações, pegou seu notebook e saiu do prédio da Lego convencido de que não mais retornaria. Ligou para sua mulher no caminho e disse, “querida, hoje foi meu último dia na Lego”.

Um ano depois, com a situação se agravando, foi chamado de volta, em outubro de 2004, para assumir o comando como CEO com o desafio de estancar a sangria e resgatar a mística, a legenda e o legado Lego: todos os dias a empresa perdia US$ 1 milhão. Jorgen, naquele momento, 35 anos de idade, só tinha uma resposta para reverter dramaticamente a situação da empresa. Uma velha, boa e redentora pecinha de plástico. Deu certo! Retornar às origens…

De menos de US$ 1 bilhão de 2003, para mais de US$ 6 bilhões de receitas em 2018. No mês passado fez uma doação de US$ 50 milhões para atenuar o impacto da Covid-19 em crianças carentes pelo mundo. Uma vez resgatada a essência da empresa, seu DNA, seu princípio ativo, Jorgen foi soltando de forma sensível e competente as amarras para que, respeitada a essência, a empresa fosse desenvolvendo novos negócios. Desde que, repito, respeitassem e fossem absolutamente consistentes com o DNA. E culminou com a aquisição da Merlin Entertainment, com a roda-gigante de Londres, e os museus de celebridades pelo mundo de Madame Trussauds… A Disney ainda guarda uma distância gigantesca de vantagem em relação à Lego, mas convém não descuidar-se… Uma lição espetacular da importância de jamais perder o Phocus, de respeitar o DNA, de como crescer com consistência e segurança. E um dos melhores cases de resgate, revitalização e espetacular crescimento dos primeiros 20 anos do século 21.

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)