Quando roubaram meu carro, para me habilitar a receber o seguro fui à delegacia de polícia registrar a ocorrência. O plantonista, após verificar a documentação, me perguntou se havia algo de valor “no veículo”. Eu disse: “muito”. E, para espanto dele, detalhei: “um volume com 10 números da revista Propaganda da década de 1960, que fazem parte de uma coleção”. O rapaz então escreveu: “revistas antigas encadernadas”, me olhando de soslaio, como se fosse uma excentricidade, diante do roubo de um carro importado, estar preocupado com revistas velhas. Dias depois, já com o dinheiro do seguro quase na minha conta, recebo um telefonema de um despachante me avisando que acharam o carro. Minha única pergunta: “tinha um livrão de capa marrom com lombada vermelha dentro do carro?” Diante da resposta negativa, agradeci, desliguei e avisei a seguradora que o carro tinha sido encontrado. Não me interessei mais por nada, pois o que tinha de valor lá dentro, algo que seguradora nenhuma poderia me devolver, sumiu.

E imagino que o ladrão deve ter jogado fora os 10 números dos primeiros anos da revista, de uma época que eu comecei na profissão e sonhava em um dia ter meu nome entre aqueles que escreviam para ela ou que eram citados em suas matérias. Esse volume fazia parte de uma coleção que ainda mantenho e muitas vezes folheio, com saudades não exatamente daqueles tempos (embora mereçam), mas muito mais de mim mesmo. Não sou saudosista, mas tenho muitas saudades, o que parece um paradoxo, mas não é. Os números da revista Propaganda que tenho neste momento parecem realmente vir de um tempo que já passou há muito. Leio um colunista reclamando do nível da TV no Brasil. Um entrevistado fala da prática do BV e há também um sério debate sobre… o futuro do rádio. Em outro exemplar, o número 3, vejo a relação de alguns colegas de profissão: Orígenes Lessa, Fernando Sabino, Rubem Braga, Balsac, Olavo Bilac, Monteiro Lobato, Fernando Pessoa, Raymundo de Menezes, listados num artigo exatamente sobre os grandes literatos que se dedicaram também a escrever “reclames”.

Um outro texto me deixou particularmente saudoso. Trata-se de um que exalta a profissão de publicitário, entre outras coisas, por pagar muito bem, o que explica ter atraído os melhores intelectuais. Literalmente diz a matéria: “seja qual for sua especialidade profissional, se você está pensando em ingressar na propaganda, faça-o. É fácil fazer uma carreira prestigiosa e de ótima remuneração. Em propaganda há lugar para todos”. Saudades! Há também um artigo de Edmur de Castro Cotti, na seção de Rádio e TV, onde ele conta que teve acesso a levantamento realizado por uma revista especializada sobre a cobertura que as emissoras de rádio americanas deram ao ataque japonês a Pearl Harbor. Segundo a matéria, o furo pertence à CBS que, cinco minutos após o início do ataque, deu uma edição extraordinária. O locutor, com voz embargada, leu o telegrama enviado pelas agências de notícias:

“A Casa Branca informa: a força aérea japonesa atacou Pearl Harbor!” A principal concorrente, a NBC, ficou com a glória de ser a primeira a falar diretamente do local, com seu correspondente terminando a transmissão com outras palavras históricas: “esta é uma guerra de verdade”. A Rede Mutual transmitia um jogo de baseball e na emissora de Denver um pastor falava da Bíblia quando foram interrompidos por edições extras com a notícia. Receberam inúmeros telefonemas irados: “e o baseball?” … “e a leitura da Bíblia?” Um ouvinte de Denver entrou para história, pois disse ao telefone: “quer dizer que os senhores consideram uma notícia do Havaí mais importante do que a palavra de Deus?” Na verdade, com exceção daqueles que tinham família servindo em Pearl Harbor e nas áreas militares, os Estados Unidos levaram algum tempo para se mobilizarem com a notícia do ataque japonês. Não há registro de um único comentário feito pelos profissionais de rádio cujos programas foram interrompidos. Em contraponto, o colunista comenta que, em 1938, Orson Welles parou a Costa Oeste com sua dramatização da invasão da Terra. Nessa ocasião, milhões de pessoas saíram às ruas dispostas a oferecer uma barreira humana ao ataque de Marte. Mesmo repetindo que se tratava da radiofonização de uma obra literária, Welles levou pânico a cidades inteiras. A revista Propaganda está completando 60 anos. Esses assuntos que eu destaquei encerram uma lição. O problema é que eu não sei qual é.

PS. O título desta crônica é uma homenagem a Orígenes Lessa, que dizia que “o título de um anúncio é sempre uma promessa que deve agarrar o leitor”. Se você chegou até aqui, sou um bom aluno do grande mestre.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor
( lulavieira.luvi@gmail.com)