Originalidade: nossa última fronteira

Chego em Cannes ainda digerindo tudo que vi no primeiro SXSW da Europa, em Londres, apenas dez dias atrás. Lá, sob a garoa londrina, praticamente todas as palestras envolviam inteligência artificial como parte do tema. Aqui, sob o sol e o calor da Riviera Francesa, ao assistir à premiação das campanhas ouro e Grand Prix, me peguei pensando algumas vezes: "isso uma IA jamais pensaria".

Steve Jobs, ao falar sobre a criação do iPod, dizia que se nos anos 2000 perguntassem às pessoas o que elas queriam, responderiam “um walkman melhor”. Elas jamais mencionariam um iPod. Por isso, ele desconfiava de pesquisas de mercado, porque a inovação nasce do inédito, não do que já é conhecido.

As IAs atuais foram treinadas com um oceano de informações já produzidas, como grandes pesquisas de mercado. Mas cabe à publicidade criar o novo, conectar pontos improváveis, construir algo original, com contexto, emoção e complexidade humana.

A IA é impressionante. Mas ela não é — ainda — inovadora
Na premiação de Film Craft, provavelmente a categoria mais clássica de Cannes, Ali Ali, presidente do júri, destacou: em um ano em que a IA domina todos os debates, o júri optou por premiar filmes “AI-free” — com pessoas reais, histórias autênticas e emoções verdadeiras.

Pouco depois, fomos presenteados com Donkey, da Telstra, que levou ouro. Uma fábula moderna sobre alguém que, de forma inesperada, se transforma em uma estrela musical. Lançado à fama sem querer, vive o deslumbre do sucesso, mas no fim percebe que o que realmente importa é voltar para casa e estar com a família. Até aí, um enredo dentro do esperado. A estrutura é clássica, quase um conto de Natal. Mas a virada está no protagonista: ele é um burro, e seu dono como coadjuvante. Humor, emoção, execução primorosa e uma dose de genialidade que só a criatividade humana é capaz de imaginar.

Fico pensando que, no futuro, isso pode se tornar tendência. Assim como o vinil voltou a ter valor singular entre quem ama música de verdade, com seus ruídos, textura e personalidade, campanhas reais, humanas e feitas à mão podem ganhar protagonismo em um mundo saturado por IAs e hiperprodução de conteúdos genéricos.

O caminho para sair do “barulho” será a originalidade — e, principalmente, a humanidade
Cannes premia o melhor da publicidade. O que há de mais genial na nossa indústria. E o genial é a nossa última fronteira. Começa a se consolidar, para mim, um cenário menos apocalíptico sobre o uso da IA. Acredito na tecnologia como um motor de produtividade, capaz de acelerar processos e encurtar o caminho entre a ideia e sua realização. Mas é a criatividade humana que desperta empatia, gera emoção e constrói conexões únicas. Nada substitui o coração. Nada substitui a originalidade humana.

Daniel Caracas é cofundador e CEO do Grupo Phocus