A denominação puffering ou puffery é de origem americana e refere-se a uma técnica publicitária que tem o objetivo de promover o exagero, o espetaculoso e o absurdo como estratégia de posicionamento marcário ou ainda dentro de um contexto promocional específico. O nome puffery ou puffering é uma alegoria e vincula-se a ideia genérica de inflar, fazer crescer, amplificar, insuflar, ser mais do que de fato é. O vínculo de sentido vem de puffs up que significa soprar.

O puffery, no contexto americano, refere-se a uma ferramenta expressiva publicitária que instaura a impossibilidade de métrica, principalmente por circunscrever-se a incitação imaginativa na produção e a subjetividade interpretativa daqueles que a recebem. Ou seja, não pode ser verificado e comprovado empiricamente quanto aos seus efeitos “científicos”, mas sim na sua potência comunicacional imaginativa, metafórica, poética e mesmo lúdica. Com um mercado altamente competitivo, o puffery é um recurso disponível, nem sempre tão distinguível da publicidade enganosa, esta sim, baseada em argumentos objetivos que são falseados (passíveis de comprovação).

A aceitação do puffery nos EUA é decorrente da alta competição do mercado americano e da natural meritocracia e ranqueamento como parte da cultura classificatória local. Assim como no Brasil, nos EUA, a publicidade segue pelo caminho da auto-regulamentação (Advertising Self-Regulatory Council – ASRC), ainda que a NAD – National Advertising Division, parte do conselho de “better business” do ASRC, opere no sentido de auxiliar e promover as boas práticas publicitárias, o puffering é bastante cotidiano.

É sabido que as palavras são signos que carregam sentidos construídos e compartilhados pelos seus falantes, por isso expressam valores culturais edificados ainda que moventes no tempo. Não há um termo equivalente ao puffery na língua portuguesa, no entanto, poderíamos aproximá-lo dos usos possíveis do oximoro. O oximoro é figura de linguagem que expressa o absurdo, ou seja, a total impossibilidade de sua realização e comprovação. Os oximoros podem ser verbais ou visuais, entendendo que o verbal também pode ser visual. Um exemplo de oximoro visual bastante utilizado é a imagem gráfica ou fotográfica de uma baleia tomando banho em uma banheira em um quarto de hotel. Existe alguma possibilidade de uma baleia tomar banho em uma banheira? Evidentemente, não.

Esse é um exemplo de oximoro visual. Um oximoro verbal poderia ser a frase “um instante eterno”; como o sentido literal é um absurdo, direcionamo-nos aos sentidos metafóricos (a percepção alongada do tempo mesmo que seja muito curto). Uso semelhante do oximoro é muito comum nos romances e nas poesias. Assim, os oximoros justificam-se pela ludicidade, descontração e afetividade que engendram nas mensagens e seus efeitos são “apenas” esses, portanto, não carregam qualquer possibilidade de ludibriar as pessoas, pois são de fato, impossíveis na realidade objetiva, mas aplacam nossa necessidade de fantasia. Funcionariam como “exagero poético”.

Alguns exemplos de puffery em slogans de marcas são esclarecedores nesse aspecto. “Coloque um tigre no seu tanque”, clássico slogan da marca Esso dos anos 60 ou ainda do cereal Sucrilhos da Kellogg’s “Desperte o tigre em você” – nenhuma possibilidade de um tigre ser colocado no tanque de um carro ou de ser despertado de um corpo humano vivente! Um exemplo mais atual é o caso do slogan da marca de energéticos “Red Bull te dá asas”. Não há qualquer vínculo com a realidade, daí que o exagero, no contexto publicitário, cumpre sua função de descontração, jovialidade, irreverência e ludicidade, sem qualquer possibilidade de querer enganar ou falsear as características ou propriedades dos produtos publicizados.

No entanto, não há como alegar puffery, “exagero poético” ou lúdico quando há caminhos de comprovação. E as possibilidades de verificação passam pela empiria de fatos e fenômenos e por pesquisas científicas, com rigor metodológico. Assim, os exageros, expressos por imagens ou textos, cada qual com sua potência de sentido, podem ser enganosos, quando empírica e científicamente não resistem a uma comprovação. Exemplo clássico é o uso do “melhor” ou mesmo “maior” em assinaturas de marcas ou de campanhas. O termo “melhor” é de valor comparativo uma vez que assume a função adjetiva, do mesmo modo que “maior”. Sempre que se imagina o melhor ou pior é necessário uma base sobre a qual se faz a comparação. A questão é que normalmente o uso se dá em aberto “o melhor bolo do Brasil”, por exemplo.

Neste caso não há referência sobre qual base deu-se a comparação, ou seja, é o melhor bolo comparativamente a qual ou quais outros? Assim, a falta de base comparativa transforma imediatamente todos os bolos do país em parâmetro comparativo. Do mesmo modo, todos os bolos são piores que o anunciado. Há aqui uma apropriação qualitativa evidentemente indevida uma vez que a ocultação do parâmetro comparativo implica em julgar todos os concorrentes como de menor qualidade (pela simetria própria da língua portuguesa: melhor – pior). Nestes casos, invariavelmente o que acontece é uma “auto adjetivação”, ou seja, “alguém” (o dono da confeitaria, por exemplo) decidiu que ele faz e comercializa o melhor bolo do Brasil e ponto. Isso para não entrarmos na potência comunicacional do artigo definido “o”, que singulariza.

A questão é: seria possível comprovar empiricamente que um determinado bolo é o melhor do Brasil? Lancemos luz a exemplos internacionais. Uma situação possível de métrica e endosso ocorre quando entidades científicas ou profissionais constroem metodologias de avaliação que são reconhecidas e valorizadas pelos seus pares e também midiatizadas. Casa vez mais temos entidades de verificação de qualidade de produtos e também de serviços, muitas vezes, expressos em certificações e atribuições simbólicas, como selos, estrelas etc.

O guia Michelin é um exemplo. Por meio da avaliação e atribuição de estrelas, símbolo de valor e diferenciação, o guia faz um ranking imputando de zero a três estrelas, criando um gradiente de qualidade. A avaliação é feita por profissionais chamados inspetores que no passado funcionavam como “cliente oculto”: frequentavam os restaurantes sem que seus donos e chefs soubessem e depois avaliavam e classificavam os estabelecimentos. Atualmente a avaliação continua a ser feita por inspetores com dedicação exclusiva, em completo anonimato, rigorosamente preparados nas melhores escolas do mundo em gastronomia e hotelaria, que classificam mais de 30.000 estabelecimentos por meio de critérios que relacionam a qualidade da comida, o domínio do sabor e das técnicas culinárias bem como a personalidade do chefe e a consistência entre as visitas.

Todos esses critérios estão divulgados pelo guia tanto na página web, quanto nas publicações especializadas. Assim, é possível ter a melhor cozinha do mundo por meio de um processo de avaliação rigoroso, consistente e reconhecido mundialmente. Não há puffery em um restaurante que ostenta uma estrela Michelin e este pode afirmar o requinte de sua cozinha. Ainda mais aquele que recebeu duas estrelas – cozinha excelente; mas se recebeu três, a cozinha é excepcional, portanto poderá sim afirmar ser o melhor do mundo.

A questão do puffery carrega aspectos culturais, o que no Brasil não é pouco. Não somos afetos as classificações e hierarquizações rígidas, próprios das culturas extremamente competitivas, por isso, o exagero não deve ser entendido como um valor em nossa comunicação publicitária, até porque pode conter falseamentos e gerar tensões para os consumidores, por desconhecimento, interpretação imediata ou mesmo ingenuidade. O uso é possível como nos oximoros, quando o objetivo é construir vínculos de sentido de afetividade, ludicidade e descontração, explicitando a total impossibilidade de realização, circunscrevendo-se ao mundo imaginário e a fantasia, daí tudo é possível.  

Clotilde Perez é professora titular de Semiótica e Publicidade da ECA USP.