Por que ainda precisamos responder a perguntas assim?
Sempre paro para pensar quando me perguntam como é atuar profissionalmente, há anos, em segmentos que ainda são altamente masculinos, como bebidas, autopeças e tecnologia. E, nessas reflexões, algumas lembranças não se intimidam e saltam como o trailer de um filme muito esperado, daquele livro que você já leu umas três vezes.
Uma dessas lembranças reincidentes é da nossa mesa da sala de casa, na qual compartilhávamos deliciosas e fartas refeições, estudávamos horas a fio e que, por vezes, acolhia conversas, reflexões e decisões. Tudo isso no plural, pois naquela mesa quase nunca sentávamos sozinhos.
Ao longo da nossa caminhada profissional é assim também, né? Somos convidados a sentar, conversar, compartilhar, refletir e decidir.
Os desafios de ser mulher e circular em universos tão predominantemente masculinos estão claramente voltados à conversa. Conversa na qual caiba sempre escutar e falar, sem expectativas idealizadas ou imposição de verdades, pois, como já dizia Elisama Santos, autora do livro Conversas Corajosas, "A conversa não tem garantias, mas tem que ter empatia”.
Agir de forma empática está longe de ceder com passividade ou aceitar verdades infundadas e, sim, argumentar sobre diferentes perspectivas.
E por falar em diferenças, é preciso, do nosso lugar e perspectiva como mulheres, olhar os dados sobre presença e atuação em alguns segmentos para, a cada mesa que venhamos sentar, a conversa seja de coragem diante dos fatos, pois transformações se alimentam de atitudes.
Sobre o que “compartilhamos à mesa” - Como um belo welcome drink, o pertencimento é ingrediente-base para podermos refrescar qualquer conversa, troca ou compartilhamento à mesa. Em qualquer situação sustentada em atitudes arbitrárias ou incoerentes em vez de fatos, mergulhar sobre aquilo que está se tratando, congrega e desarma.
Muitos desses aprendizados tão preciosos não estão nos dados, sites e redes sociais. Estão na mesa do bar da esquina, no mercadinho da periferia, na oficina mecânica, na loja de peças e serviços para carros, nos festivais de tecnologia. Estão na conversa com quem faz, na observação do fluxo desenhado no qual o produto ou serviço se encontra com quem consome, indica, rejeita e vende. É preciso investigar o ecossistema real no qual as coisas acontecem. Para pertencer é preciso conhecer!
E, quando estiver à mesa, experimente. Ouça as experiências de quem estiver com você. Atente-se. Evite sentar sempre no mesmo lugar. Inquiete-se. Deguste novos sabores e texturas. Arrisque-se. Compartilhe e comente suas impressões. Exponha-se. Olhe para quem está na mesa com você, a mudança está ao lado.
Hoje, no nosso mercado, há lideranças femininas em áreas distintas. Times femininos tratando de contas de segmentos ditos ‘predominantemente masculinos’. E, em cada departamento das agências, mulheres atuantes com muito profissionalismo e empatia.
Em todas as realidades dos clientes nas quais atuo, em ambientes predominantemente masculinos, contamos com lideranças femininas de atuação relevante e participantes efetivas das decisões estratégicas de suas empresas. Como consequência direta destas lideranças, percebo com alegria e clareza, nos times destes clientes, muitas mulheres inspiradoras e, naturalmente, me fortalecem durante a caminhada.
Vale sempre ter em mente: uma mesa, diversos lugares. Ainda temos muito para conquistar quanto a espaços físicos e de fala, mas também é saudável exercitar o autorreconhecimento dos lugares que já sentamos à mesa e mirarmos naqueles aos quais ainda desejamos sentar.
Se me permitem um conselho: furem a bolha, escutem e falem com quem não senta sempre ao seu lado, pois há um grande aprendizado durante o caminho.
Daniela Koury é gerente de negócios da Ampla