Precisamos falar sobre posse e porte de smartphone
Nos últimos dias, viralizou a imagem de um homem como se estivesse defecando em um dos móveis do STF e, na sequência, imagens com uma ficha laboral de um funcionário do Banco do Brasil que, felizmente, veio rápido à público se defender no Tribunal Paralelo da Internet (TPI): 'Fui acusado de ser o homem que defecou no Supremo e nem em Brasília eu estava'. Ele relatou, ainda, ter sofrido ameaças virtuais após a veiculação dos seus dados e da sua imagem. E disse que precisou sair da sua própria casa para evitar o pior.
O que teria acontecido com ele se não tivesse vindo a público desmentir os boatos com imagens do seu Google Maps como álibi? Ele poderia ter perdido não apenas o seu emprego no qual se preparou por anos para passar em um concurso público… Poderia ter rompido a relação com a própria família que, neste caso, conta com alguns membros que o olharam com desconfiança, como ele mesmo relatou. Poderia, ainda, ter perdido a sua dignidade, a sua liberdade ou, em ataques mais graves, a sua própria vida.
O funcionário público bem lembrou em sua entrevista que "o ônus da prova deveria ser de quem acusa." E, de fato, esse princípio do direito romano - que também influencia o nosso processo legal - está muito aquém de acontecer no TPI. E sabe por quê? Porque os nossos cidadãos, ao longo da sua experiência escolar, não aprenderam e, por consequência, não se interessaram por regras que conduzem as relações cidadãs. As leis parecem grego para nós (e não é apenas pelo rebuscamento linguístico) e dão a sensação de que são domínios apenas dos profissionais da área jurídica. O indivíduo precisa entender que ele vive em sociedade e que há regramentos para essa convivência. Precisa se perceber como cidadão, ou seja, membro de um Estado. E, portanto, compreender que usufrui de direitos e que desempenha deveres. Os direitos à intimidade e à própria imagem formam a proteção constitucional à vida privada e é garantida para os vivos e até para os mortos.
Ninguém pode se comportar como criança mimada na internet esperando que um adulto venha monitorar e interferir nos maus comportamentos. Estamos falando de coisa séria, da vida de pessoas e como as interações com elas e com as instituições acarretam responsabilidades.
Embora seja "sem fronteiras", a internet não é uma terra sem lei. E, nesta terra, a arma mais letal é um smartphone. É de fácil acesso, não tem registro e o tiro pode ser fatal para muitas pessoas que têm relacionamentos, carreiras e reputações destruídas. Mas vale lembrar que o tiro também pode sair pela culatra para quem não sabe manipulá-la porque o rigor da lei será aplicado.
Porém, na prática, o grande problema que enfrentamos é que com a velocidade da disseminação de uma mentira ou uma ofensa e a liturgia judicial demorada é muito difícil estancar, imediatamente, a sangria na imagem de uma pessoa física ou jurídica.
Numa soma básica, uma imagem divulgada milhares de vezes vale mais que mil palavras somente pela equação básica. É assim que a mentira ganha ar de verdade. E sabe o que é pior, como mesmo disse o acusado do fato? "Você consegue amenizar o dano à imagem, mas você não repara 100% nunca mais."
Ficam os registros imputando o crime ao inocente nos sites de notícias, nas redes sociais, nos mecanismos de buscas. E o pior, na memória deste cidadão que passará a vida inteira não apenas lembrando do fato, mas redobrando os cuidados com a sua imagem pública e precisando lidar com a sua autoimagem.
Esse caso, e o de tantas outras pessoas, são emblemáticos da Cultura do Cancelamento, antes, "privilégio" de políticos e celebridades (que não esqueçamos, não são deuses, são cidadãos como qualquer um de nós) e, cada vez mais, tem atingido pessoas de todas as camadas sociais e profissionais. É um problema social gravíssimo. Se apropria das cadeiras dos juízes e, diariamente, expõem os "réus" sem a menor piedade ou o direito básico de defesa. A conversa não pode parar por aqui e, sim, precisamos falar mais sobre isso. Mãos ao alto, sua reputação pode sofrer um assalto!
Luciéllio Guimarães é jornalista, professor acadêmico, empresário e estrategista de imagem pública