Igualzinho à população do mundo inteiro, não consigo parar de pensar nessa pandemia que está aí. Que nos faz ficar em casa ou nos mantermos distantes de outras pessoas na rua. É o assunto principal das conversas por telefone ou nas mensagens pelas redes sociais. Não há registro na história de alguma coisa parecida, pois, mesmo nas grandes epidemias que atacaram a população de vários países, temos a considerar que muitos povos isolados passaram incólumes. Desta vez, com o progresso fazendo a humanidade inteira se conectar, todos os humanos estão ameaçados, incluindo as diferentes raças, cores, características físicas. É quase um recado da natureza para nos avisar que somos todos iguais. A doença também dá outro recado não fazendo distinção entre ricos e pobres, patrões e empregados, doutores ou pouco letrados. Ataca todos, com a mesma eficiência.

Uma coisa é certa nesse cenário de incertezas. Vamos sair diferentes dessa pandemia. Acredito que alguma coisa aprenderemos. E será na marra, que é a única forma efetiva que a raça humana consegue aprender. Outro fato que eu destaco é que descobrimos, na prática, que temos em nosso meio heróis tão valorosos como os que estávamos acostumado a conhecer no cinema, nas revistas em quadrinhos e nos programas de TV. E eles estavam entre nós. E quase nem tínhamos consciência de sua coragem e desprendimento. Eu falo dos bombeiros, enfermeiros, médicos, garis, carteiros, policiais. Um grupo grande de pessoas que continua exercendo suas profissões e fazendo que o mundo não pare. Eu espero que quando este pesadelo acabar, nós todos tenhamos aprendido que dependemos uns dos outros para continuarmos a viver em sociedade. O pensador inglês John Done já dizia que “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. A morte de qualquer pessoa me diminui, porque sou parte do gênero humano, e por isso não me perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

Ontem aprendi a passar roupas. Sou um homem completo. Cozinho, lavo, tiro pó dos móveis, varro qualquer tipo de chão. Aprendi até uma porção de coisas que só servem para a chamada “atual conjuntura”, como desinfetar compras de supermercado ou botar máscaras nas poucas vezes que vou até a porta da rua. Sou um rapaz prendado. Das atribuições das antigas donas de casa eu só não estou costurando nem cuidando de criança. Isto porque não estou de quarentena com uma criança, pois se estivesse já teria aprendido trocar fraldas, limpar bumbum e fazer mamadeira. Enfim, um prendado. Mudando um pouco de assunto, estou dando uma olhada nas coisas de meu arquivo pessoal. Já citei a coleção de Seleções do Readers Digest que ganhei há algum tempo. Durante a II Grande Guerra a maioria dos anúncios falando das maravilhas do mundo moderno dizia que o produto anunciado estaria disponível “quando a paz voltar”.

O astral das pessoas era muito diferente de hoje. Milhares de soldados americanos estavam morrendo no front. Mas o lado cruel da guerra era um assunto que os anunciantes fugiam. O clima era de euforia. Pelos anúncios, a guerra era quase um passeio dos aliados em terras exóticas. A propaganda retratava esse estado de espírito, passando ao largo da tremenda carnificina que foi a guerra de verdade, onde milhares de jovens eram feridos ou mortos. Havia um ideal de liberdade que justificava um pouco o sacrifício, além de que foi criado um ritual específico para dar a notícia da morte de um combatente para a família.

A guerra de hoje não tem nada que possa servir de amparo à dor de quem perde alguém querido. Para encerrar, remexendo meus artigos, encontrei uma série de recortes de jornal, com as colunas de Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, um dos melhores cronistas brasileiros de todos os tempos.

Refere-se a uma notícia dando conta que o Almirante Pena Boto, famoso por encontrar comunistas até debaixo da cama, tinha dito que o Brasil deveria invadir a Rússia. Os comentários foram, como se imagina, muitos, de todos os tipos. Mas o que entrou para a história foi o de Stanislaw Ponte Preta que dizia apenas: “deixa ele ir, deixe ele ir!”

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)