Publicidade continua dependente da criatividade, agora sob outros paradigmas
Publicitários e publicidade sempre espelharam o comportamento da sociedade e dos consumidores, incorporando agilmente novas tecnologias, e seguidamente antecipando tendências e desafiando comportamentos que se tornavam obsoletos. Mas, parece não estar se repetindo esta eficiência atualmente, no tempo das transformações culturais, grandes bases de dados e de novas demandas estratégicas.
Voltando no tempo, vamos à década de 1950, período de urbanização, industrialização e de formação de uma classe média consumidora. Com o retorno da democracia e a geração de empregos urbanos, formou-se um mercado consumidor ingênuo e pouco experiente, despertando a ideia de se estabelecer hábitos de consumo. Nesse período, as agências de publicidade se profissionalizavam rapidamente e utilizavam largamente de ações de merchandising e promoções de vendas.
Um ótimo exemplo deste período foi a "Escolinha Walita", com cursinhos rápidos de culinária que, na verdade, ensinavam a usar batedeiras e liquidificadores da marca. Os anúncios desse período eram ingênuos, adequados à sociedade da época, mas muito criativos - e claro, quase sem tecnologia, nas emissoras de televisão eram feitos ao vivo pelas "garotas-propaganda".
A geração seguinte, nos anos 1970, perdia a ingenuidade, nos Estados Unidos pelos protestos duramente reprimidos contra a guerra do Vietnã, e no Brasil pelo regime ditatorial. John Lennon declarava seu amor pela paz, mas cantava "o sonho acabou".
A pauta aqui era bem diversa, do ufanismo oficial que vendia o sonho do Brasil grande à liberação sexual, do individualismo à ideia de um país e mundo melhores. Os espaços publicitários eram ocupados por campanhas de bebidas alcoólicas, cigarros, automóveis e produtos de limpeza. Nascia então o garoto propaganda da Bombril, exemplo da época.
Já na década de 1990 veio uma grande mudança com o Marketing Promocional, no primeiro desafio ao reinado das comissões das agências, depois de décadas de crescimento e glamour. Até então dominante, a propaganda perdeu a exclusividade no mercado e grandes verbas mudaram para as ações de marketing promocional. Também o planejamento estratégico chegava à comunicação das grandes empresas - um problema para as agências, com a queda da crença de que campanhas veiculadas na mídia (e suas comissões) bastariam para alavancar negócios.
E surge a internet, gerando uma nova relação entre empresas e consumidores, alçados ao poder quando a comunicação muda de horizontal para vertical: consumidores passaram a ter a opção de escolher que mensagens deveriam receber, quando e de que forma. Esse contexto tirou da mídia tradicional e das agências parte do poder detido por elas.
Chegou o ano 2000, mas não chegou o "bug do milênio" e o mundo não acabou. Quem também veio com força foram os smartphones, as mídias sociais e o marketing digital. Consumidores e empresas foram muito mais ágeis do que as agências na adoção de novos comportamentos, e a publicidade tradicional correu o risco da obsolescência. Com novas tecnologias, a popularização da internet e uma carga social nova na comunicação, a publicidade precisava ser atualizada para o cenário do mundo abreviado das mensagens de texto.
As agências, mesmo perdendo a galinha dos ovos de ouro com a proibição da publicidade de cigarros e derivados em 2000, continuavam vivendo em um mundo de glamour, inscrevendo centenas de peças para o Festival de Cannes, recebendo muitos prêmios com produções caríssimas que, muitas vezes, não representavam vendas correspondentes aos custos para seus clientes. Algumas, mal chegavam a ser veiculadas, mas os almoços e celebrações entre seus pares na dourada primavera da França eram suficientes.
Com a pulverização do público para as plataformas online, a audiência das televisões caía ainda mais, provocando a migração da publicidade. Os médios e grandes anunciantes desviavam verbas para as novas mídias, especialmente online, e a publicidade tradicional novamente parecia se tornar também obsoleta, diante do desenvolvimento e democratização da tecnologia.
Esta tendência continuou e a publicidade na década de 2010 foi marcada pela crescente presença de anúncios digitais e utilização de redes sociais como o Facebook e o Twitter para a divulgação de produtos e serviços, além da consolidação dos smartphones. Também começou a ser relevante a preocupação com a responsabilidade social das empresas e com a sustentabilidade, o que se refletiu nas campanhas publicitárias. Por fim, a publicidade também foi impactada pela crise econômica de 2008, que levou as empresas a reduzir seus orçamentos de publicidade e a buscar alternativas mais criativas e econômicas.
O crescimento do debate a respeito da propriedade das informações, aliados aos muitos casos de vazamento e roubo de dados, também parece estar definindo um novo padrão de preocupação. Com a crescente preocupação com a privacidade dos dados, as empresas de tecnologia e publicidade tiveram que se adaptar a novas regulamentações e padrões de exigência do mercado. Adicionalmente, cresce também o aumento do uso de recursos de IA na publicidade e realidade aumentada para criar experiências publicitárias mais personalizadas e imersivas.
Agências data based, agências 360, boutiques de criação, agências 2.0 - tudo isso é apenas uma gravata nova para um terno que ninguém mais quer usar. O que as empresas precisam é de agências criadas a partir de novos paradigmas, sob um novo padrão lógico, mas mantendo em sua essência os valores de um negócio criativo e revolucionário, moldando uma identidade de atuação que ataque a burocracia, a centralização lenta, os excessos e até a glamourização estéril.
Os vetores de força são a inovação, a simplicidade, a transparência e o diálogo, cuidando das pessoas e embarcando mais tecnologia, visando atender às novas demandas de empresas e consumidores em ambientes digitais. Na abordagem das grandes agendas globais a agência de hoje precisa aportar uma análise estratégica e uma visão que integre indivíduos, empresas, tecnologia e ambiente de ação, gerando capacidade de crítica social não militante. Ela deve incomodar, gerar reflexão e contribuir para a mudança necessária.
Fábio Torino, CEO da Weonne