Que Conar é esse?
Para o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), propaganda criativa e divertida fere o código, e publicidade de enaltecimento dos vapes, não.
Por exemplo, resolveu sustar, a pedido da Suzano, a brilhante campanha do papel higiênico Supra ‘Até os Neves preferem’, uma das mais divertidas a que assisti, ultimamente, e arquivar a denúncia contra o anúncio da BAT, em página dupla na Veja, que faz o enaltecimento do cigarro eletrônico, de que já tratei em artigo específico.
Participei do Conselho de Ética do Conar, em duas ocasiões. Fui voto vencido em algumas situações, mas, de um modo geral, sempre me pareceu que havia coerência nos julgamentos realizados pelas câmaras.
Os dois casos a que me refiro agora, no entanto, escapam completamente ao meu entendimento. E me despertam uma dramática suspeita: o Conar perdeu o rumo? O que eu chamo de rumo? Diretrizes claras e interpretações inteligentes do código.
Pressinto que estaria havendo uma espécie de guinada, em direção ao que se poderia chamar de interesse corporativo. Fato que estabeleceria novos padrões de avaliação, sustentados em interesses específicos, em desprezo a valores fundamentais para a sobrevivência da boa propaganda.
Compreendo que as reuniões das câmaras do Conar não sejam reuniões de julgamento da qualidade das campanhas para algum prêmio.
Mas também não aceito que sejam encontros voltados à repressão ao processo criativo e ao bom humor, ou vocacionados à tolerância com mensagens visivelmente suspeitas, em nome da proteção dos interesses de associados. O Conar não é propriedade de grandes anunciantes, nem de grandes veículos, nem de grandes agências.
O Conar é resultado de um esforço coletivo do mercado publicitário, negociado com habilidade e sabedoria, e que, assim, evitou a sujeição da propaganda à biruta dos políticos. Um trabalho árduo, resiliente e paciencioso, que merece, portanto, o nosso mais profundo respeito.
Cada reunião das câmaras e cada voto dos conselheiros deve carregar o legado dessa luta, empreendida por personalidades e entidades pioneiras, na defesa da liberdade de anunciar e no combate àquilo que compromete a imagem da publicidade.
Decisões errantes e contraditórias, ou que ignorem os fundamentos que fizeram do Brasil um dos países mais premiados do mundo, não só desvalorizam o Conar, mas atingem cruelmente a essência daquilo que nos deu excelência: a criatividade nas ideias e a ética na postura.
Afinal, alguém, em sã consciência, me diga a razão de não se poder usar, de forma bem-humorada, testemunhais de membros de “famílias Neves” ou referências a “Jarbas”, para vender um papel higiênico, que concorre com o papel higiênico Neve, da Suzano.
Li o relatório que pede a sustação da campanha e asseguro que, em 47 anos da sua fundação, essa foi a decisão mais bizarra que eu já vi o Conar tomar.
Vou aguardar o relatório da decisão que acolheu o recurso da BAT sobre o anúncio de vapes, e que pediu arquivamento da denúncia, para voltar ao tema.
A história do Conar merece que esses fatos sejam, no mínimo, seriamente, discutidos.
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com