Quem corre atrás não passa a frente

Enquanto escrevo essas linhas, Elon Musk ainda aguarda a resposta do Twitter para efetuar o pagamento de 44 bilhões de dólares pela compra de todas as ações da empresa. Basta que a empresa responda ao questionamento de Musk sobre contas falsas e bots que o negócio seria concluído. E você, já se questionou sobre qual seria o número correto de contas falsas, bots e engajamento fake naquela rede? Seria de 5%, como segredou a empresa a Musk, ou 20%, como ele desconfia?

Pausa dramática. O que me impressiona não é a dúvida em si, é sobre não haver indignação da indústria publicitária e clientes sobre haver “contas fakes”, “bots” e “fazendas de clicks” nos dados de audiência de plataformas globais. Essas atitudes já estariam precificadas? Musk acha que não. Ele quer mudar isso. E olha que já criou um foguete que dá ré. A falta de transparência nos dados já provocou muito estrago em empresas listadas em bolsa. Lembra da Enron? Mas até agora, a provocação de Elon Musk foi vista como uma estratégia de negociação apenas. Porém, ela carrega questões importantes. Claramente, para o novo comprador do negócio, não pode haver um “vale tudo”. E para quem compra espaços publicitários? E os paga?

A partir daí outras questões apareceram. E quanto às outras plataformas que vendem espaço publicitário, existe o mesmo fenômeno de contas falsas, falsos engajamentos, bots, fazendas de clicks? Será? De quanto seria essa distorção? (parte dessa pergunta é apenas retórica). Bastaria uma auditoria externa para responder a essa pergunta, afinal, a empresa vende espaço publicitário e, como é digital, é factível descobrir monitorar e até limpar esses clientes fantasmas, não seria? Por que não fazem auditoria externa? Elon deve estar pensando se seria possível uma mensagem criada para humanos estar sendo servida a robôs? Robôs não têm renda, ele deve pensar, mas podem gerar clicks e engajamento, o que não deveria entrar na conta. E mais, se diferenciar um robô de um perfil humano real é possível para as plataformas, por que não seria possível deletar imediatamente esses robôs e perfis fakes para melhorar a qualidade da audiência além da transparência de compra de mídia? De cara as fake news e mensagens de ódio, que geram monetização, também não reduziriam? A sociedade não melhoraria?

Não seria o caso de quem disputa essas verbas publicitárias serem auditadas por terceiros, como sugere Musk? O que estaria parando toda essa evolução  seria o apetite pelo dinheiro das verbas publicitárias? Por que tratamos as redes sociais e ambientes digitais como um universo paralelo e adolescente, um lugar em que as regras não se aplicam, onde ameaças sérias são consideradas por bravatas apenas, um espaço autocentrado, egocêntrico e sem limites, controle ou punição?

E, se é possível quantificar, é possível corrigir. Então, por que aceitamos comercialmente essa distorção, de quem, por princípio, deveria ser exato e preciso, com boas práticas? Quem prometeu isso? Anos atrás, num hiato de líderes da nossa indústria da comunicação se permitiu o grande desposicionamento de veículos tradicionais, das agências e publicitários sobre transparência versus interesses. E que os dados seriam a salvação, inclusive da criatividade. Pois bem, está chegando o momento dessa entrega acontecer. Musk já está cobrando essa entrega. Qual será a resposta de 44 bilhões de dólares, 5% ou 20%? E qual vai ser a nossa reação?

Flavio Waiteman é CCO/founder da Tech and Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br