Roberto, o democrata
Essa história já foi contada algumas vezes, mas acho que merece ser repetida, como uma justa homenagem ao nosso Roberto Duailibi.
Logo depois da votação no Congresso da emenda que devolveria aos brasileiros o direito de escolher livre e diretamente seus governantes, em que faltaram apenas 22 votos para que fosse aprovada, a DPZ recebeu a visita de José Sarney. Junto com a Salles, a agência ia cuidar da campanha da chapa Tancredo/Sarney.
Sim, ainda que se tratassem de eleições indiretas, haveria uma campanha de convencimento dos congressistas-eleitores. Sarney havia votado contra o retorno do voto popular, o que causou grande indignação.
Seu filho, Zequinha Sarney, votara a favor. Eu trabalhava no quinto andar, o do Petit, e, distraído, folheando uma revista, não percebi que todo mundo havia se retirado, inclusive o próprio Petit e o Washington, me deixando sozinho. De repente, ouço às minhas costas, a voz do Duailibi: “Senador, deixe-me apresentá-lo a um jovem talento gaúcho”.
Surpreso, me voltei e dei de cara com o Sarney, com seu bigodão, seu jaquetão e o braço estendido na minha direção. Sem levantar, segurei sua mão rapidamente e voltei ao que estava fazendo, numa demonstração ostensiva de desconforto com a sua presença. Fiz um claro protesto.
O Roberto ficou lívido e, num improviso atrapalhado, emendou “não ligue não, ele é PT”. Ao que reagi, muito sério: “não sou PT não”. E ambos se retiraram, bastante constrangidos. Pouco depois, todos os meus colegas de andar reapareceram, como num passe de mágica, e me caiu a ficha.
Toca o telefone na minha mesa. Atendo. O nosso D, indignado, vociferava: “É inadmissível tamanha arrogância com uma visita à nossa casa”. Eu estava de pé, de frente para as janelas que davam para a Avenida Cidade Jardim, e percebi, junto ao meio-fio, um gari varrendo a calçada.
Respondi, então, sem o menor receio de ser, sumariamente, posto no olho da rua: “Roberto, se você olhar pela janela da sua sala agora, vai ver o cara em nome de quem eu agi como agi. Ele está vestido com um uniforme laranja”.
Desligou. Só voltamos a nos falar, quando Sarney tomou posse como presidente da república, por causa da morte de Tancredo Neves. O Roberto me ligou de Brasília para dizer “agora você tá fodido”, seguindo-se uma sonora gargalhada.
Tenho esse acontecimento como a prova mais contundente de que foi um privilégio passar a maior parte da minha carreira profissional numa agência com qualidades tão especiais, jamais replicadas em nenhuma outra.
Afinal, que dono de agência, mesmo o mais simpático e o mais querido, teria encarado o meu comportamento na ocasião com tamanha tolerância democrática?
Não consigo identificar nenhum. Em qualquer outro lugar, eu teria sido demitido. Sei disso hoje e sabia na hora.
O que, portanto, me deu segurança para expressar, audaciosamente, a minha indignação com o voto de Sarney? O simples fato de saber onde eu estava, e a confiança que depositava nos critérios de quem decidia pela agência.
Não me enganei.
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com