Morreu Washington Novaes. Notícia triste, pois sua morte significa também o silêncio de um grande porta-voz das causas ambientais. Jornalistas melhores e mais importantes do que eu estão escrevendo sobre ele. Foi uma boa pessoa e uma conversa muito agradável. Esteve algumas vezes em minha casa e eu consigo me lembrar do que conversamos e de seus conceitos sobre o futuro de nosso mundo, que teima em prosseguir no caminho da destruição. Lembro-me que conversamos sobre São Gabriel da Cachoeira, que para mim foi uma locação e para ele uma fonte de pesquisa. Explico melhor. Em São Gabriel da Cachoeira fui duas vezes para filmar. Ele foi muitas vezes para entender. Eu filmei um lugar exótico, enquanto ele procurou conhecer a cultura das tribos que viviam por lá. Uma de suas principais observações era o choque que ocorre no encontro entre os chamados civilizados e os chamados selvagens. Duas culturas e dois comportamentos sociais totalmente diversos.

Washington era um respeitoso observador da imensa riqueza cultural dos índios, que na opinião dele precisava ser protegida a qualquer custo. Um de seus principais interesses era com o enorme patrimônio representado pelo conhecimento do uso medicinal das ervas. Ele sempre defendeu o ponto de que esse cabedal não podia ser perdido, até por egoísmo. Acreditava que o conhecimento do uso terapêutico das ervas estava ameaçado pelo rolo compressor da ciência e da economia dos descendentes de europeus. Perdemos um grande jornalista e um importante defensor da causa indígena. Cavoucando a memória, apareceram algumas lembranças de São Gabriel da Cachoeira. Uma delas tem a participação especial de um cacique muito inteligente e do Fred Naban, o diretor de um dos filmes. Foi assim. Alugamos um jatinho para ir até São Gabriel e Fred embarcou com uma camisa de envergonhar gringo em férias. Uma criação conjunta de Clóvis Bornai e Romero Britto de porre. Foi só o Fred surgir na porta do avião vestido daquela maneira que juntou uma tribo inteira para observar. Veio toda hierarquia ianomami para conhecer homem branco fantasiado de arara. A produtora do filme, de shortinho minúsculo e camisa amarrada sob os fartos seios, olhava embevecida para os tacapes selvagens. E fez um longo discurso a respeito da maravilha que era a simplicidade daqueles índios, naturais e puros. Só parou quando um deles, olhando para a filmadora de um cinegrafista da equipe, perguntou: “é NTSC ou já convertida para PAL-M?” Mais tarde, quando caiu a noite, fizemos uma grande mesa num restaurante rústico, onde comemos um incrível peixe na telha e quase acabamos com o estoque de cerveja da cidade. Após o jantar, ficamos eu e o cacique trocando uma ideia sobre a bolsa de valores, o futebol europeu e as possibilidades do turismo na região. O cacique era um entusiasta do turismo, embora o que ele mais apreciava não fosse a parte econômica, mas a possibilidade de fazer sexo com mulheres brancas.

Segundo ele, as brancas são muito mais animadas que as índias. Opinião dele, infelizmente não tenho como opinar. No meu modesto conhecimento sobre o assunto, falta o lado silvícola, necessário para a comparação. Atrás da caixa d’água da cidade, no topo de um morro onde dava para ver o impressionante Rio Negro e a cidade iluminada, ele guardava umas garrafas de vodka. E foi depois de duas garrafas dessa bebida selvagem (na Rússia) que me explicou por que preferia “deitar na rede” com mulheres brancas. Segundo ele, as índias são mais desinibidas que as brancas, mas dominam menos as técnicas do sexo selvagem. “Mulher branca mexe mais. Índia é muito parada”. Profunda observação sociológica, que não encontrei em nenhum tratado da vida primitiva que tenha lido. Papo vai, papo vem, surgiu uma garrafa de um coquetel criado pelo feiticeiro da tribo, um verdadeiro barista. Tinha, ao que me lembre, vodka, açaí, pimenta-do-reino e caldo de cana. Também podia ser chamado de “Azia Definitiva”. E foi bebendo essa mistura perigosíssima que ele me confessou que certos conhecimentos são úteis. O ideal era, segundo ele, que as pessoas pudessem usar aquilo que era melhor de cada cultura. E foi olhando para a lua que se refletia nas águas cor de Coca-Cola, pitando um Marlboro, que ele me brindou com uma informação cultural definitiva: “Índia não chupa”. Senti-me dono de um segredo milenar da cultura indígena.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor
(lulavieira.luvi@gmail.com
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