Sobre ética, reputação e resultado

O embaraçoso imbróglio brasileiro ocorrido na edição deste ano do Cannes Lions serve didaticamente como um alerta, não só ao mercado publicitário, como também para o mundo dos negócios, como um todo.

Justamente no ano em que o Brasil foi homenageado como Creative Country of the Year – o primeiro país a receber essa homenagem, que fará parte do festival a partir de agora –, cases manipulados foram alvo de denúncias, perdendo os Leões conquistados.

Felizmente, o Brasil, mesmo perdendo 12 prêmios, manteve sua posição de 2º colocado no festival, atrás apenas dos EUA, ultrapassando o Reino Unido.

Mas a reputação do país foi arranhada, gerando um contraponto à admiração observada pelos demais países pela capacidade criativa do Brasil.

Fui a Cannes mais de 20 vezes e, toda vez que me identifico como brasileiro num papo com estrangeiros, recebo de volta um sorrisão e uma manifestação de
admiração.

O Brasil é considerado um player de primeira grandeza no maior festival de criatividade do mundo. Por outro lado, somos também considerados o país do jeitinho, da forma pouco ortodoxa de criar soluções.

Nessa balança reputacional, o que víamos em Cannes era o peso da nossa criatividade prevalecer, minimizando questionamento sobre os possíveis dribles espertinhos para ganhar prêmios.

Não nos iludamos, temos um histórico de “fantasmas” e cases com resultados inflados, ganhadores de Leões ao longo da existência do festival. Com um sorrisinho maroto, muitos cases foram comemorados, como um gol de mão à Maradona.

Daí os questionamentos recorrentes sobre a validade de troféus trazidos de Cannes. Não foi a primeira vez que uma agência brasileira foi obrigada a devolver troféus do Cannes Lions.

Mas este ano foi demais! Não só a manipulação grosseira de vídeos usados no videocase, como o próprio case, em si, fez do premiado “Efficient way to pay”, da DM9 para a Consul, um exemplo gritante de falta de ética para ganhar prêmios.

Não fosse um tal de Alonso Guanaes levantar a lebre, talvez tivesse sido mais um gol de mão comemorado.

O problema é que temos agora um poderoso VAR: o escrutínio atento das pessoas. Admitamos: estávamos acostumados a jogar um jogo com regras “flexíveis”.

O Cannes Lions até vem tentando inibir esses dribles na ética, sem muito sucesso. Mas o que podemos extrair desse imbróglio é um alerta didático quanto ao uso de recursos antiéticos.

A agência envolvida sofreu e ainda sofrerá graves consequências pela sua atitude. Os outros cases questionados também terão efeito didático sobre a “esperteza” criativa adotada pelas agências.

Outra questão é: até que ponto os clientes envolvidos nos cases são coniventes? Ora, não existe case inscrito sem anuência do cliente.

Talvez sem conhecimento total das “técnicas” utilizadas para inscrever os cases, mas os clientes não podem alegar desconhecimento. O ponto crucial desse imbróglio todo, na minha opinião, é a percepção de que a ética começa a virar o jogo.

O festival promete providências para evitar que casos do tipo aconteçam nas futuras edições, mas o ponto de inflexão só será obtido se houver um incremento de consciência por parte de todos.

Não só as agências, mas de todas as empresas envolvidas e, principalmente, o consumidor. Existe uma geração emergente muito mais questionadora e consciente.

Será cada vez mais difícil “roubar no jogo” do mercado. Estamos ficando “vacinados” do golpe, da fake
news e da propaganda enganosa. Analisamos com muito mais critério a comunicação das empresas e de seus produtos.

A tendência é termos muito mais Alonsos Guanaes daqui para frente. O resultado das empresas (não só nos festivais, mas nos negócios) dependerá cada vez mais da forma ética e respeitosa com que atua no mercado.

Alexis Thuller Pagliarini é sócio-fundador da ESG4
alexis@criativista.com.br