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Até dezembro de 2019, o SUS (Sistema Único de Sáude) era objeto de discussão. Havia muitos que defendiam a tese da sua extinção, por ser economicamente inviável e, uma vez serviço público, estar exposto às mazelas da malversação do dinheiro público e da corrupção. Do ponto de vista do interesse da iniciativa privada, representava um represamento de negócios potenciais.

Para o sistema, uma presença, no mínimo, exótica: como assim, grátis? Grátis, para o sistema, só se concebe como marketing promocional: compre dois e leve um grátis; para cada duzentos reais em compras, a entrega é grátis, por exemplo. Fora disso, soa bizarro. Amamos, aliás, a expressão “não existe almoço grátis” para demonstrar o quanto somos argutos a respeito da fantasia da gratuidade no mundo dos negócios.

Para sorte dos brasileiros, porém, o SUS sobreviveu às contradições da sua existência num mercado movido a lucro para se tornar, em 2020, a nossa marca mais importante. Conquistou, em um tempo improvável, mesmo para aquelas marcas que tradicionalmente fazem um grande investimento em publicidade, aquilo com que sonham todas as marcas: uma imagem de eficácia e confiabilidade. Alcançou o patamar ideal para a consagração de marketing: uma percepção, racional, de que é necessária.

Talvez isso venha a pontuar, num novo mundo pós-pandemia, um divisor de águas verdadeiramente extraordinário na percepção das marcas, através da comparação entre investimento em marketing x necessidade daquilo que a marca representa. Quanto menos necessária uma marca, maior seria a necessidade de investimento em marketing e menor o espaço “espontâneo” na mídia. Algumas marcas, aliás, parecem já se ter dado conta dessa possível tendência e, embora ainda tateantes, se esforçam em construir uma imagem de “necessárias”, através de ações solidárias ou de estímulo à solidariedade. No mínimo, preferem correr o risco de passarem por oportunistas do que por alienadas e insensíveis.

De todo modo, esse tipo de movimento leva a outras reflexões, como a sugestão de apartarmos marca de produto para um questionamento: a pandemia obriga o marketing a trabalhar no objetivo de tornar necessária a marca de um produto desnecessário? O que levaria as agências a pensar, a partir de necessidades reais e urgentes, em soluções para problemas reais e urgentes, não necessariamente ligados àquilo a que a marca representa.

A equação ideal – marca reconhecida, serviço/produto necessário – revelada pela marca do SUS estabelece um padrão a ser observado com atenção. Porque o susto pelo que estamos passando deve nos tornar mais resistentes a apelos focados em vaidade, ganância, competitividade egoísta ou qualquer aspecto de pouca justificativa para um pensamento realista.

Basta observar os intervalos comerciais para perceber uma clara distinção entre marcas que parecem viver num outro planeta e marcas que tentam se adaptar a um novo planeta. Na falta de estudos mais conclusivos sobre o tema, seria recomendável, nesse momento, ater-se ao case que vem sendo, apropriadamente, construído pelo SUS. Um raro caso de marca que nem a nossa maior referência mercadológica – os Estados Unidos – conseguiu construir.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com).