Te cuida, Chatinho!
Minha mulher tem como hobby a arte de colagens. Agrupa imagens diversas com maestria, gerando uma nova imagem artística. Não é fácil. É preciso muito bom gosto e senso estético para combinar imagens em proporções adequadas para obter um resultado de valor artístico. E ela vem conseguindo passar emoção, beleza e mensagens cheias de significado nas suas artes!
Outro dia, ela me pediu opinião sobre uma dessas colagens e eu devolvi com um emoji de coração, expressando minha percepção. Para me provocar, ela mostrou a reação do ChatGPT quando ela o consultou da mesma forma com que havia feito comigo.
Bem, o ChatGPT derramou elogios e fez ponderações de muitas palavras, enaltecendo o resultado excepcional.
A relação da minha mulher com o ChatGPT e com IA, de forma geral, é bem intensa, usando seus recursos em diversas situações, inclusive para gerar imagens que usa nas suas colagens.
Mas a reação do ChatGPT, chamando minha mulher de Ra (o nome dela é Rachel) e não economizando elogios, gerou boas brincadeiras entre nós, com minha reação de “ciúmes” do ChatGPT, que passei a chamar de Chatinho.
Fora a brincadeira, a rica interação de pessoas com IA, seja no campo pessoal como profissional, gera, sim, alguns questionamentos interessantes.
O primeiro deles é quanto à autoria do que está sendo gerado a quatro mãos (na verdade, a bilhões de mãos, já que a IA se baseia numa infinidade de dados). Eu tenho usado IA para me ajudar nos meus artigos e não tenho receio quanto à autoria dos meus textos. O tema é meu, o prompt é meu, o texto é meu...
As buscas que eu fazia no Google, agora faço diretamente no ChatGPT e tudo vem estruturado do jeito que eu peço. Mas cabe a mim analisar a qualidade da informação e inserí-la no contexto do meu artigo, por exemplo. Também uso ferramentas de imagem e começo a testar assistentes virtuais em algumas tarefas. Seria loucura ignorar o surgimento de uma ferramenta que simplesmente está revolucionando a forma com que desenvolvemos nossas atividades.
Tivemos, no passado, o foco em hard skills, procu- rando absorver as técnicas para desempenhar as nossas funções; depois, as competências chamadas de soft skills, como emoção, empatia, compaixão, intuição, inteligência emocional e sensibilidade, entre outras, começaram a ser mais valorizadas, já que as
máquinas passaram a suprir os tais hard skills. Em evento recente, ouvi que a valorização parte agora para os heart skills.
Ou seja, somos nós, humanos, que agimos com o coração. A IA pode até se apoiar em valores emocionais, mas será uma mera combinação de dados, gerados por humanos. A IA pode demonstrar humanismo, mas faltará a autenticidade dos humanos. Será o humano que ousará quebrar barreiras da lógica e terá a intuição de algo realmente disruptivo.
Segundo Rohit Bhargava, palestrante do último SXSW, a verdadeira vantagem competitiva, hoje, é ser genuinamente humano. A IA acelera processos e facilita enormemente o desenvolvimento de tarefas e não podemos desperdiçar tais recursos. Mas há momentos que devemos deixar fluir nossa sensibilidade e intuição.
Quando eu trabalhava na DPZ, muito tempo atrás, Petit – o P, da DPZ – proibiu seu time de criação de apresentar roughs e layouts iniciais usando imagens de arquivo ou Photoshop. Ele queria que o profissional de criação desenvolvesse sua ideia sem a muleta de imagens prontas.
Ele estava convencido de que forçar o cérebro a ir por um caminho menos óbvio pode ser determinante para gerar algo verdadeiramente novo. Na semana passada, vi um depoimento do celebrado Fernando Meirelles, da O2, dizendo que tem evitado o uso IA na sua produtora, até por consciência de que isso pode causar a dispensa de funcionários.
Aliás, o mesmo Meirelles fala que a Netflix e a Amazon proíbem o uso de IA na produção de filmes e séries. É claro que isso tudo está numa fase de transição e que será impossível conter esse tsunami que invade nossas vidas de forma inexorável. Mas eu continuo de olho nesse Chatinho aí...
Alexis Thuller Pagliarini é sócio-fundador da ESG4
alexis@criativista.com.br