O imenso touro dourado instalado na rua XV de novembro, em frente à sede da B3, tem chamado atenção. E não é necessariamente pelo brilho da cobertura de tinta automotiva dourada que o animal recebeu sobre a estrutura metálica e fibra de vidro, tampouco pelos seus 5 metros de comprimento e quase uma tonelada.

Chama a atenção pelo descalabro de sua presença pretensamente ostentatória em um contexto de desemprego, sofrimento, morte e fome, no qual nós brasileiros estamos imersos. É inevitável perguntarmos: Quem teve a ideia? Quem aprovou? Quem autorizou? Quem fez? Quem financiou? E mais, por que o fizeram? As respostas a cada uma destas perguntas estão amplamente disponíveis na mídia, não precisamos explicitá-las. À parte de toda a inadequação e indiferença do monumento bovino em relação às condições de milhões de brasileiros, um outro aspecto é digno de reflexão. O que fez a B3 financiar esta ideia?

 A B3 é a marca da Bolsa de Valores oficial do Brasil, resultado da fusão, em 2017, da Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&FBOVESPA) com a Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos (CETIP). A utilização do 3 é a representação dos Bs envolvidos Bolsa, Brasil e Balcão. Esta designação segue as lógicas contemporâneas de condensação de marcas, decorrentes da cultura digital que buscam simplificação e objetividade.

Certamente é um bom nome e se fortalece na construção da identidade visual com a inserção do 3 como potência na representação matemática, o que sugere “elevado a 3” e os colchetes materializam a equação. Tendo em conta o mercado de ações, a elevação é sempre o momento esfuziante das dinâmicas do mercado e a equação é uma boa representante da racionalidade e certo controle. Portanto, um bom nome e uma boa representação. Mas, marca é muito mais do que isso. O que levou os gestores da marca B3 a apoiarem e financiarem o touro dourado?

Podemos imaginar que a ideia inicial, importante que se diga, nada criativa, traria as referências aos touros presentes diante das bolsas de Nova York e de Frankfurt. Ou ainda, que a potência de sentido do touro, ligada a virilidade, robustez e bravura, seriam boas associações para o mercado financeiro, uma vez que a B3 é um ator fundamental na cena nacional e internacional.

Talvez as razões para não utilizar bronze, como nos congêneres internacionais, que garante a massa corpórea do animal, se justificasse pelos elevados custos – linguagem que todos ali entendem bem. Possivelmente a explicação do banho dourado estivesse fundamentada nas relações com riqueza ou mesmo com as histórias bíblicas do bezerro de ouro destinado a adoração, lembrando “apenas” que há algum tempo a narrativa do bezerro dourado é usada como sinônimo de falso ídolo.

Enfim, erros acontecem, e os motivos são diversos: não fazer a pergunta semiótica sobre os possíveis efeitos gerados, me parece a mais elementar. Tudo o que está acontecendo, da repercussão midiática negativa, principalmente nas redes sociais, às intervenções e pichações no animal que já surgiu desolado, eram absolutamente previsíveis. Mas correções são muito bem-vindas. Penso que todas as associações possíveis entre o touro dourado e a B3 são péssimas, de arremedo à falsidade, passando pelo mau gosto, fetichismo, prepotência e signo de hipocrisia.

Sinceramente, o melhor caminho neste momento, depois da lambança inconsequente, seria a retratação pública dos financiadores-gestores e de todos os envolvidos, com a simultânea retirada do monumento espalhafatoso, buscando o reaproveitamento dos materiais em produções mais adequadas e, quem sabe, destinar os recursos utilizados para financiar projetos que verdadeiramente demonstrem que a B3 é uma marca comprometida com as grandes questões do nosso tempo e não com os delírios narcisistas terceiro-mundistas.

Clotilde Perez é professora titular de semiótica e publicidade da ECA-USP.