Tramontina

Num futuro recente, o Brasil vai precisar votar uma lei de regulamentação das redes sociais. Sugiro que essa lei se chame Tramontina. Carlos Tramontina é jornalista conhecido por ter sempre uma atitude muito simpática e fofa. Pois ele surpreendeu a todos na última semana quando foi o mediador de um debate a candidatos a prefeito de São Paulo. Ele nos lembrou o que significa jornalismo de alto nível.

Os candidatos que participaram do debate assinaram um termo com o compromisso de respeitar as regras de não agressão. Eis que faltando 30 segundos para terminar o debate, já nas considerações finais, o candidato das redes sociais, acostumado a não ter regra nenhuma, começa a descumprir o acordo com ofensas graves ao atual prefeito.

Foi advertido três vezes por Tramontina e finalmente ouviu um sermão e foi posto para fora do debate. Mas Tramontina fez tudo isso com uma categoria ímpar, amparado nas regras de conduta do evento. Sem regras um até pode ganhar, mas todos perdem. Quem entra numa disputa com regras e não as respeita sem punição, ganha sempre. E essa situação sobre não ter regras, é diretamente um efeito das redes, que não possuem regras.

Aliás, ano interessante sobre comunicação. No Brasil está acontecendo um fenômeno que deverá ser estudado num futuro recente. O quanto a ausência de uma rede social influencia ou deixa de influenciar o resultado de uma eleição. Antes que você fale sobre liberdade de expressão, vale a pena rever os documentários ‘Cambridge analítica’, ‘Brexit’ e ‘Escândalo do Facebook’ (todos no Netflix), para lembrar o que é manipulação e liberdade de expressão. As redes sociais e a política andam juntas. Precisam ser reguladas e essa regulação precisa levar em consideração a velocidade com que a mentira se espalha.

Existem leis e um bom senso para uma mensagem política veiculada nos jornais, TV, outdoor e rádio, mas nenhuma regulação para o que é veiculado nas redes. Num ambiente sem regulação nenhuma sobre conteúdos, todos perdem. Os cortes, ah os cortes.

A Super Interessante publicou uma matéria sobre as eleições de 2022 chamando a atenção de que as fake news se espalham seis vezes mais rápido nas redes sociais. O Twitter (atual X), a rede mais polêmica e política, quando estava sob a administração antiga e contava com uma equipe de moderação, diz ter removido nessa época mais de 63 mil posts. Imagine hoje o que seria, pois não há mais qualquer equipe de moderação no Brasil. Qualquer um veicula o que quer. É a lei do algoritmo mais forte.

Mas esse canal está fora do ar já há quase um mês e teremos mais um mês até as eleições. É notória a tendência pessoal do dono da plataforma à extrema direita global. Será que os algoritmos são treinados a sua imagem e semelhança?

Na ocasião da compra dessa rede social, Elon Musk pediu um desconto de 25%, que, na visão dele mesmo, era a quantidade de robôs da plataforma. Robôs, aqui, não são autômatos, mas programas que simulam a audiência humana e geram relatórios de audiência que elevam o valor da publicidade cobrada. Sim, no fundo, todas as redes querem a verba publicitária dos anunciantes. Depois que comprou a rede, o que será que ele fez com esse exército de algoritmos? Quais posts são mais veiculados e vistos?

Outro gap mental que tenho curiosidade é como podemos permitir que exista algo tão poderoso, influente, que fatura tanto e que espalha tanto ódio e desinformação sem absolutamente nenhuma regra? Tramontina neles!

Flavio Waiteman é sócio e CCO da Tech&Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br