Transparência na era da IA
Transparência no uso de inteligência artificial precisa ser a palavra da vez no mercado publicitário. Após a polêmica do case da DM9 para Consul, ‘Efficient way to pay’, vencedor de Grand Prix no Cannes Lions - cassado pela organização após receber denúncia de que o videocase havia ‘fabricado’ fatos para inflar a campanha com o uso de IA, entre outras irregularidades -, o setor deve passar por uma revisão de processos.
Conforme fontes ouvidas pela reportagem, a IA é um recurso tão poderoso que, do ponto de vista técnico, é possível fazer quase tudo. Da criação de cenários a clonar pessoas reais. É nesse ponto que mora o perigo. “Um filme que antes levava dias para ser produzido e custava uma pequena fortuna, hoje pode ser feito por uma fração do valor e do tempo. E isso muda tudo no mercado publicitário”, afirma Danilo Portela, sócio-fundador da Vox Strategy IA.
As possibilidades de criação com o uso de IA são inúmeras, como sabemos. Mas não podemos esquecer que usar a imagem de alguém sem autorização ou alterar falas - como foi o caso da campanha da DM9 - é falta de ética e, algumas vezes, até crime.
Enquanto não é aprovado o Projeto de Lei 2.338/23, que visa a criar um marco legal para o desenvolvimento e uso da IA, o mercado deve se autorregular. O PL ainda tramita na Câmara dos Deputados e estabelece diretrizes para o uso ético e responsável da IA.
O próprio Cannes Lions acaba de anunciar novos ‘Padrões Globais de Integridade para Definir a Responsabilidade Criativa para uma Nova Era’. O festival promete banir por até três anos a participação de empresas que intencionalmente enviarem trabalhos falsos ou enganosos.
Embora não cite nominalmente os prêmios retirados da DM9 - além do GP, a agência devolveu os troféus de ‘Plastic blood’ e ‘Death gold’, num total de 12 Leões -, a organização do festival informa que as novas normas se devem a preocupações coletivas surgidas durante o Cannes Lions 2025, em torno da manipulação e do uso de IA, que resultaram na retirada necessária de trabalhos vencedores do Lions.
“O cenário do setor está mudando em uma velocidade muito rápida”, disse Simon Cook, CEO do Lions. “E, assim como o restante do setor, o Cannes Lions está se adaptando rapidamente para acompanhar essa mudança.”
As novas diretrizes serão implementadas no Cannes Lions 2026 e incluem medidas como: cada inscrição deve ser aprovada pelo líder empresarial da empresa participante e por um profissional de marketing sênior da marca contratante; e um novo sistema de verificação de dupla camada combinará verificações manuais com análises conduzidas por IA para questionar a veracidade das alegações feitas por cada trabalho.
Segundo o comunicado do festival, um manual estabelecerá um padrão global para integridade de prêmios na era da IA, protegendo a confiança, a legitimidade criativa e a transparência. Além disso, Cannes reserva-se o direito de desqualificar ou retirar qualquer inscrição para premiação em qualquer estágio de inscrição ou julgamento, inclusive após um Leão ter sido premiado, caso seja encontrada deturpação do material.
Por fim, para garantir a transparência, o Cannes Lions publicará uma Auditoria de Integridade anual documentando uma visão geral das preocupações que levam a melhorias contínuas no sistema que sustenta a referência global de criatividade.
A conduta de Cannes já era esperada pelo mercado e deve refletir em todo o setor, provocando revisão geral dos prêmios nacionais e internacionais. O D&AD, realizado em maio, também anulou os dois Wood Pencils conquistados pela DM9 por ‘Plastic blood’.
A ameaça de uma crise com a criação de cases ‘fantasmas’ para conquistar prêmios ronda o mercado faz tempo, mas agora ganhou contornos reais. Embora os trabalhos da DM9 tenham sido o grande problema, Africa Creative e LePub também tiveram campanhas questionadas por inflar dados. Como diz o velho ditado, “todo o cuidado é pouco”.
Frase
“O insucesso é apenas uma oportunidade para recomeçar com mais inteligência” (Henry Ford).
Armando Ferrentini é publisher do propmark